A chuva é um elemento de muita contradição, assim como a vida da gente. Tem a chuva que vem com poesia, aquela que deixa tudo verdinho no sertão. Lembro que cheguei a passar nove meses contados sem ver cair uma gota d’água em pleno Pajeú. Época terrível, dormindo de 3 da madrugada, acordando de 5, fazendo caminhada 3 vezes por semana para aguentar e bebendo litros de café para seguir em frente. Quando choveu, me vi menino, correndo no meio da rua com meus vizinhos pulando em poça d’água para comemorar. A chuva misturada com lágrimas. Agora eu sei quando se fala sobre as chuvas no sertão.
A mesma chuva que trás beleza pode também trazer medo. Foi no mesmo sertão que vi grandes gotas caindo como bombas sobre as casas. Acordei uma vez com água no meio da casa. Foi um susto. Lembrei disso dias atrás. Uma e meia da madrugada, eu acordo com a água entrando na casa toda. Uma luta contra a natureza até às três e meia da manhã. Só conseguimos dormir de onze e meia da noite, depois de salvar aquilo que se pode salvar e contar aquilo que se pode perder. Infelizmente.
Tivemos sorte. Na chuva se perde muita coisa. E não perde-se. Não há gramática ou sentido quando se vê o pouco que se tem, conquistado a duras penas ser ameaçado por um fenômeno da natureza que todo ano acontece. E a gente perde muito. A paciência, a esperança, um pouco da saúde, alguns móveis que só tem boniteza e o sono. E quem perdeu a vida? Que perdeu um mãe, um filho? E aquele jovem, eletrocutado enquanto ia para o curso?
Nem sempre se consegue se dançar na chuva. Dependendo da força, ela vem e nos tira o sono. Imagina quem mora perto de uma barreira, de uma rua de barro ou numa encosta?
Todo ano é o mesmo filme e a imprensa cita como se fosse uma simples questão da natureza. Todo ano isso. É como se São Pedro tivesse um contrato com os ricos para dizimar parte da população, enquanto escuto minha vizinha que perdeu quase tudo, dizer com olhos marejados que é a vontade de Deus e eu respondendo com outra pergunta: por que será que Deus nunca castiga com as chuvas os moradores de Boa Viagem ou de Apipucos...
E o que a sua vizinha responde de volta?
ResponderExcluirÉ mesmo assim
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