Raul (ou 'nada de novo no metrô segunda feira de manhã)

 




 

 

O metrô do Recife em plena segunda feira de manhã tem um quê de tudo que se imagina. Naquela segunda, dia do halloween, eu pegando o segundo metrô da manhã e seguindo a minha rotina: levo minha filha menor para a creche (um metrô), atravesso a passarela, fico puto e preocupado com o semáforo da avenida, atravesso a rua até chegar a creche para, na volta, encarar um metrô no sentido centro, lotado de ódio, cansaço, desesperança e dívidas. Vidas de trabalhadores que, na real, não importam muito para os patrões. Esses, definitivamente não andam de metrô.

Segunda feira e pego o vagão mais lotado da semana. Daquele jeitinho. Exagerando com finalidades literárias, daria para dizer que teria umas 200 pessoas a mais em um espaço que a minha matemática não permitiria chutar para saber, ainda mais em uma segunda feira. Três estações até chegar a Joana Bezerra. Lá, mais uma condução para mais um dia sem condição alguma. Em plena segunda torcendo pela sexta feira. E assim a vida segue.

Entro (me espremo) no vagão (sauna) na esperança (obrigação) de chegar em tempo ao trampo. No meu rosto, só a alegria que me define. Passa um vendedor ambulante anunciando de tudo. Passa ou é só uma voz ao longe? Não sei. Naquela altura poderia bem ser um sinal de vertigem.

 Fone de ouvido, capa, película. Me vem do nada uma reflexão sobre uma música que eu poderia estar ouvindo naquele exato momento, mas não tenho um fone. Passo a cantarolar baixinho. É um som do Mombojó . Nada vai acontecer, não tema. Esse é o Reino da Alegria”. A situação se torna um pouco mais etílica. Na minha frente, um jovem um pouco mais alto que eu ostenta um óculos escuros e uma farda passada e irretocável. 

Lá fora nem tá tanto sol assim mas ele segue. Exala um perfume de álcool como quem virou três noites entre o Carnaval do Recife e Olinda. Você conhece o filme: acordar cedo, comer dois pães com ovo, aquele café sem açúcar, uma ducha no chuveiro e cair no mundo.

O rapaz exala pitu com limão. E ele se balança estranho, mesmo sem ter espaço para fazer isso em meio aquele caos da segunda. Na minha mente a playlist já avançou. Agora tá tocando Lulu Santos. “Quando um certo alguém”   e o rapaz balança. Deve ter seguido o código de ética todinho hoje. Passou o café, botou a farda (que já estava passada e dobrada encostada na cadeira) e seguia no piloto automático rezando para tudo dar certo hoje.

Achei estranho aquela movimentação. Duas estações para minha descida. Decido me posicionar estrategicamente ao lado do indivíduo. Inicialmente não consigo. Uma senhora do lado me olha num misto de solidariedade e indignação. O cheiro já impregnou o vagão.

 Estão todos sextando involuntariamente enquanto seu joelho esquerdo lhe lembra que a idade chegou, que seu único filho ingrato lhe deixa ir sozinha ao banco enquanto joga LOL o dia inteiro, que sua nora (quando inventa de a visitar) não lava uma prato, não leva uma coca, não compra nem um realzinho de pão e que, principalmente, ninguém lhe cedeu um lugar naquela segunda feira tempestuosa. Talvez não fosse nem má vontade. Só Moisés para lhe conceder um lugar naquela hora.

A playlist segue à mil na minha cabeça. Agora Titãs parecendo minha antiga vizinha metida a rica tirando onda do meu curso, dizendo que a sociedade só respeitava quem fazia direito. E eu, respondendo na minha cabeça, enquanto esboçava um sorriso maroto: sim. Eu faço direitinho. 

A música vai crescendo na minha mente, dizendo que eu deveria ter feito um bocado de coisa, enquanto o moço se balança ainda mais. Agora o movimento é diferente:  Pra frente, pra trás. Alguma coisa estava fora de ordem e eu não me chamava Bete.

Uma estação apenas para a primeira etapa do meu infame destino em plena segunda feira. Algumas pessoas descem já estação. O nome combina com a ação involuntária que por ali acontece: Afogados. Quase uma outra música dos Paralamas. 

Me coloco instintivamente a quase 10 metros do jovem rapaz perfumado com o Recife Antigo em noite de Recbit. O moço vomita praticamente nos pés dos presentes, lavando o chão do vagão. Agora na minha cabeça, não sei como, toca um Raulzito. E eu nem gosto muito dele. 

No chão, aquele espetáculo: restos de espetinho de frango com bacon, macaxeira com charque e salsichão (aquele que a gente besunta no molho de algo mergulha na farinha) demonstrando que eu estava certo. Aquela é um típico menu degustação Marco Zero, domingo, seis às seis.

Desço na minha estação, me desviando do tédio e a playlist segue. Agora toca banda Blitz. É a semana que começa, são meus dois passos do paraíso, é mais uma segunda feira no metrô do Recife.


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