Não Trem de quê...

 




As pessoas estão cansadas e sobrecarregadas. Imagina ter que passar toda manhã num moedor de carne, uma espécie de academia involuntária cuja finalidade é sugar de nós as últimas forças e resquícios de sanidade?

Outro dia (ontem para ser mais exato. 4 de setembro de 2024. Seis e meia da manhã. Estação Santa Luzia sentido Recife) uma briga tomou conta do vagão em que eu estava. Tristeza revoltante e deprimente. Uma senhora (vamos imaginar que seu nome era Carla) reclamava da forma que uma jovem (chamemos ela de Maria) se encostava, involuntariamente, em seus ombros em um vagão lotado, sem ar-condicionado e devidamente atrasado em plena quarta feira de manhã.

Não deu outra: Dona Carla xingando Maria, que deu uma cotovelada no rosto da senhora, que com sua pele rosada passou a ostentar uma mistura de “vermelho deram na minha cara” com “eu é que não vou levar esse desaforo pra casa”. Foi muita tapa. Dedos voando na cara uma da outra enquanto alguns riam e outros filmavam.

Uma espécie de zoológico da vida urbana. Estamos vivendo cercados de tanto embrutecimento que até o corretor de texto se recusa a escrever esse termo. Poderia ser a nossa mãe, a nossa avó, nossa tia ali, apanhando de uma jovem tão tomada de ódio e insultada que aquele vagão, de fato, parecia uma arena de Roma sem a perfeição que Hollywood reproduzir em seus filmes.

Hoje, enquanto escrevo essa crônica vejo um alívio. Dois homens, um senhor de mais idade e um jovem, leem seus livros, um em cada lado oposto de um metrô minimamente vazio. É claro que passam das oito e meia. É claro que eu estou surpreso pela surpresa, é claro que essa me pareceu um bom fechamento para um texto que representa uma semana de pura notícia ruim e chuvas.

A imagem dos dois leitores, coisa realmente rara de se ver hoje, me chamou tanta atenção que pensei em tirar uma foto para registrar tudo (Ah! Essa sociedade do espetáculo, onde as palavras que são ditas não tem o mesmo valor se não vierem instagramáveis e palatáveis para as redes que não servem para fazer coisas simples, como ler um livro, por exemplo).

Pensei em tirar a foto mas logo desisti. Vai que alguém me pega tirando a foto sem data vênia e o bicho pega pro meu lado? E tem um cachorro novinho, dentro do vagão. Latindo feito um condenado. Mas isso eu não vou nem falar pra não ser (eu ia dizer cancelado) desacreditado.


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