Dona Edinalva...

 




Sinal vermelho de frente da capela, pessoas passando no ônibus lotado, fazendo sinal da cruz como se esperasse alguma coisa, como que alimentando uma esperança, como que exercitando um hábito, como que se adiantasse alguma coisa ou se esperasse um milagre. E lá está dona Edinalva, batendo com um vidrinho de perfume

Sinal vermelho de frente da capela, pessoas passando no ônibus lotado, fazendo sinal da cruz como se esperasse alguma coisa, como que alimentando uma esperança, como que exercitando um hábito, como que se adiantasse alguma coisa ou se esperasse um milagre. E lá está dona Edinalva, batendo com um vidrinho de perfume no poste do semáforo, que sempre a ignora.

Todo dia essa cerimônia. Toda Edinalva toda arrumada como quem vai pro trabalho, pra feira, mas depois que o sinal abre uma, duas vezes, ela faz o sinal da cruz e volta, ninguém sabe pra onde.

Pra casa? Pro trabalho? Pro meio da rua? Pela vestimenta e bons tratos nota-se que ela não vive desamparada. Quem é ela? Poucos sabem. Quase todas as semanas se repente essa cena ali naquele sinal.

Dizem que ela não bate bem das ideias. Que ela se apronta, se arruma toda e sai de casa só para ficar batendo com aquele vidrinho de perfume barato para ver se algum motorista se importa. Quando o sinal demora bate aquela agonia. Ela xinga baixinho em algum idioma até conseguir ver o verde. Outros dizem que ela mora ali perto. Quando seu remédio fica escasso a família deixa ela solta um pouco para fazer seu passeio e, por ser inofensiva, faz bem para ela levar um sol.

Parece que Dona Edinalva perdeu um filho e um neto numa encruzilhada. O filho esperou o sinal ficar verde, pegou o menino no braço e, ao atravessar a faixa, um motoqueiro pra lá de apressado não viu os dois em seu direito, em sua pressa e agora a prece da mãe, desajustada do juízo e controlada por remédios que não a controlam mas a deixam dopada, recorre ao seu vidrinho de perfume para aconselhar, a seu modo, seus semelhantes.

Ao lado do semáforo tem um viaduto. Debaixo do viaduto tem uma parada de ônibus e por trás da parada de ônibus uma senhora vende em sua barraquinha caldo de cana e bolo. Conhece de cor as linhas de ônibus e os horários e é mais precisa que qualquer aplicativo. Sabe até o lugar onde para o Uber e detesta também essas motos.

Fui falar com ela. Curiosidade, talvez pena. Dona Bete, dona da barraquinha não me confirma nada. Isso é o que dizem. Dona Edinalva não responde nada. Ela solta um bom dia e repete aos meninos para manter o cuidado. Uns moleques malinos, só para tirar uma onda, inventam de passar correndo com o sinal ainda vermelho só para judiar dela. Cabeças de vento. A senhora fica toda nervosa, xinga uns nomes em francês, alemão, não sei.

Também não se consegue verificar essa história do semáforo. Definitivamente não dá para confiar nos carros. Por via das dúvidas, melhor seguir o conselho de Dona Edinalva. Louca, lenda ou desocupada, pouco importa. Nota-se que ela não esta errada em seu caminho.


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