"Identificação" é o título de uma canção do baiano Tom Zé, lançada em 1984 e ela tem tudo a ver com Copa do Mundo. Na verdade, talvez, já que o Tom Zé é conhecido pelo estranhamento que sua música causa em nossos ouvidos, desde os tempos da Tropicália. O Zé, apesar do nome bem brasileiro, foi jogado no ostracismo, colocado numa gaveta de coisas velhas justamente por querer continuar buscando uma música autêntica. Foi redescoberto, cancelado novamente e hoje, mesmo após tornar-se imortal pela Academia, ainda tem que explicar sua música para a metade das pessoas que descobrem o Tom e a outra que o tem como um Zé.
O exemplo da música do Tom é interessante pois me lembra um pouco nossa atual Seleção brasileira de Futebol. Vendo a escalação outro dia constatei que simplesmente não conhecia setenta por cento dos jogadores convocados pelo Tite. Alguns reservas, outros pelos comerciais de TV e alguns pelos escândalos fora de campo mais do que exercendo sua profissão. Estranho. Não consigo acompanhar todas as novidades dos campeonatos internacionais ou as mudanças do mundo da bola, mas me considero minimamente informado quando se trata do nosso maior esporte nacional.
Talvez o fato de termos jogadores mergulhados nessa indústria do futebol, que leva nossos meninos, transformam eles em ídolos ou monstros, seja um dos fatores desse distanciamento do país em relação ao nosso time maior. Futebol virou (é) um negócio e na hora de correr atrás da pelota, quando o dinheiro fala mais alto que o amor pela camisa (se é que isso existe ainda) fica aquele clima de desconfiança, de pedido de certificação se tem choro, se é de verdade ou se tá no contrato ou na promoção.
Quando o Zagallo soltou aquele clássico "vocês vão ter que engolir" o país foi junto. Ninguém podia mexer com o novo bom velhinho. Aquele gol do Bebeto em 1994 embalando o bebê é até hoje um símbolo, e até o Baixinho, quando peitou o próprio Rei o chamando de 'Poeta' encontrou eco e proteção pelas ruas e bares, praias e palácios. Quem era doido mexer com o Romário? Ele não precisava nem treinar.
Identificação. Um amigo de longa data questionando em seu twitter a Renata Silveira, somente a primeira mulher a narrar uma partida da Copa do Mundo na TV aberta. Ele não se identificou. Achou estranho. Identificação: imagina se aquela bola do segundo gol do Japão e Espanha fosse na estréia do primeiro trio de mulheres arbitrando uma partida na Copa?
Identificação. No jogo Irã X EUA mulheres foram agredidas fora do estádio. O Catar vive uma ditadura mas toda a imprensa não usa esse termo. Ditadura é um termo pesado demais. Chamam de Polêmica. Soa mais suave. Lá, ser gay é motivo de prisão, cadeia ou morte. Pra quê levaram a Copa do Mundo pra lá mesmo? Pra fazer estádio? Lavar dinheiro? O brazil é o país que mais mata LGBTQIA+, extermina nossa juventude negra da periferia e parece que não acende o alerta que o genocídio aqui só não é oficial.
Identificação. A gente vai ver o jogo do brazil e não sente mais alegria nenhuma. Espera a seleção perder ou pisar na bola pra despejar uma 'tuia' de Malvadeza. Torce pela Seleção mas, na no fundo, não acredita que o Hexa vai chegar. A gente fica mesmo é com pena de quem tá apanhando de 3 X 0. Torce contra qualquer um que jogue contra a Alemanha, seca a Argentina e se envergonha de ver a torcida japonesa limpando o estádio quando a partida acaba. A gente gosta mesmo é de ver um pequeno crescendo pra um time grande, feito Camarões fez com o time reserva do Tite (é claro que ele agora não é de ninguém. Quando a Seleção perde ela fica sem dono).
Mas tá tudo certo. A Seleção perdeu mas tava dentro do estimado. Aquela fraquejada feito disse o presidente (identificação: muitos brasileiros se identificam com a piada, eu sei). Camarões ganhou a Copa. Do mesmo jeito que a Coreia do Sul e o Japão (duas vezes). O time do Tite perdeu mas saiu ganhando. E como diz a música do Tom Zé, classificado, numerado, é o cidadão bem comportado. . . e a gente fazendo birra e reclamando, já que é essa nossa função.
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