Velório. . .

FOTO: revisa Veja



A notícia chegou pelo aplicativo de mensagens. Domingo de manhã. Apenas nove dias de quarentena oficial em Pernambuco. Repetindo um ciclo, estava adiando o momento de escrever. Imagine só, que se pode escrever de bom num momento como esse? Que suas filhas vão dizer daqui dez anos sobre esse fatídico momento nosso? Que tivemos medo? Medo, e a poesia de Drummond saindo das prateleiras, batendo a poeira dos anos e dizendo “Tô aqui, meu velho, mais atual do que nunca!”. Adiando o momento, até porque o anonimato não retira de quem escreve a responsabilidade (as redes sociais que o digam). Mas lá veio, pelo WhatsApp a má notícia em pleno domingo de tarde: o tio, mais velho de uma família de tios e tias idosos, de uma avó também idosa, filho mais velho de uma senhora no alto de seus 80 e poucos anos, católica fervorosa, falecera depois de semanas lutando contra um desses males pequenos que só levam os pobres.
16 anos apenas separavam o filho mais velho de uma família de 10, 12 filhos, de sua mãe, que a essa altura já não podia mais receber visitas, ir às missas, rezar o terço com as amigas dentro de casa. O Papa, sensato, aconselhou seus fieis: “fiquem em suas casas! Não tentareis o senhor teu Deus!”. Missa agora só pelas rádios e canais de televisão. Mas não essa semana. Não depois desse domingo. O grupo da família, que antes era repleto de fakenews sobre o coronavírus, agora não cabia espaço para fingir que o país não estava a maior confusão. Domingo, 9 horas da manhã. Amanhã uma mãe idosa não vai poder organizar o velório do seu próprio filho. Uma mãe, já idosa, se quer poderá sair de casa para vê-lo. Suas irmãs, também de idade, serão proibidas de render as ultimas homenagens, lágrimas e preces. Longe dali, um idiota qualquer, dito cristão, diga-se de passagem, solta piadas sobre a pandemia. Faz chacota com o fato de “não ter nenhum morador de rua morrendo por conta do vírus”. Domingo de manhã, e o presidente sairá às escondidas, para abraçar e apertar a mãos de seus eleitores. É ano de eleição? Não pergunte. Pense apenas numa mãe de idade, já idosa, debilitada pelos muitos remédios que toma para controlar os remédios que toma. Até quando essa mãe irá caminhar sobre a terra não se sabe. Mas essa dor ela irá carregar pelos dias que lhe restam e não iremos esquecer como essa desumanidade pode ser cruel.


Comentários

  1. Christopher et al,20205 de maio de 2020 às 05:26

    Profundissimamente hipocondríaco...este ambiente desolador me causa repugnância,sobe-me a boca uma ânsia análoga a ânsia que se escapa da boca de um cardíaco...✌��

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