CDs, MP3 e Isolamento Social. . .




Há poucas coisas boas nessa tal de “quarentena”. Como dizem, “se não pode com ela?” e se tem uma coisa muito indicada é aproveitar o tempo livre para (escrever) dialogar, conversar, convencer e deixar ser convencido (convencido, não convertido, tá? Conversão só quando a gente abre o Facebook que, aliás, já era plataforma gospel há muito tempo). Definitivamente quarentena é uma boa chance para se conhecer melhor as pessoas e as coisas e tudo aquilo que elas representam. Por exemplo: passei para um outro estágio no relacionamento com meu aparelho de som caseiro. O bonitão, presente de casamento dado pelo meu irmão mais novo a mim, é dado a fazer simplesmente aquilo que lhe der na telha. É sem dúvida um “Smart System”.
O problema é que ele só toca a música que ele gosta. Domingo de tarde, saco um CD do Reginaldo Rossi para escutar. ‘A Raposa e as Uvas’. Nada. Deve ser preconceito dele. Coloco um Djavan. Nada. Solto um Milton. Dá no mesmo. O aparelho, que apesar de tocar MP3, parece ignorar deliberadamente meus CDs, até os originais, sem nenhum ‘tiquinho’ de poeira ou arranhão que tire sua credibilidade. Ouvir rádio em tempo de quarentena não é a mesma coisa. A novela no brazil parou. O futebol também. Até os cultos e missas deram uma trégua. Mas o rádio, não sei por qual motivo, ainda mantém seus respectivos programas esportivos para falar o quanto é penosa a situação do Flamengo, do Barcelona, da CBF...
Segunda de manhã. Missão para começar a semana. Ponho minha roupa de astronauta, respiro fundo, conto até três e vou pra rua. Farmácia e padaria. Procura inutilmente de álcool 70 e luvas. Logo ali na esquina, três reais de pão, trezentas gramas de queijo, um pacote de café, meia bandeja de ovos e uma margarina. Incrível quanto idoso descumprindo as orientações das autoridades da saúde, seguindo o mau exemplo do presidente da república que não sabe cumprir nem a bíblia. Volto pra casa, escuto um som diferentemente diferente enquanto lavo a mão diligentemente (uma das boas coisas que, confesso, aprendi nessa quarentena: não sabíamos nem se quer lavar a mão direito, imagina escolher um presidente!). Na sala o som está tocando maliciosamente, malandramente, ironicamente um MP3 de 120 músicas do Emílio Santiago.
Traição. Depois de quase tocar todas as 120 músicas, tento colocar um Michael Jackson, sem solução. O aparelho quase cuspiu o CD de volta pra minha mão. As tentativas seguidas são sem sucesso. Todas às trezentas e setenta. Claudinho e Bochecha, Gonzaguinha, Lulu Santos, Jair Rodrigues nem Paralamas. Tudo em vão. Nem o Racional os Beatles ele aceita tocar. Nenhumazinha. Estranhamente deu saudade de uma música do Los Hermanos, ressignificada, que voltei cantarolando da padaria. Admito que, por mais umas duas vezes, tentei (inutilmente) colocar um CD (original, pirata, lacrado, comprado de uma loja depois uma viagem no tempo e nada. Definitivamente. Aí eu botei pra tocar Emílio Santiago de novo e, advinha, pegou tranquilamente. E sendo Emílio Santiago a eternidade que é, assinei a rendição maravilhosa e fui escutar essa maravilha. Aquela canção dos Los Hermanos, ressignificada, ficou. Seguimos escutando Emílio. Não há do que reclamar. Emílio preenche bem os espaços em dias ruins ou festivos. Todos os dias, na verdade. Os Los Hermanos ficam pra outra hora. Depende da boa vontade do Smart System. Fica como um assobio em minha memória... “sair de casa já é se aventurar”. . .

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