Sala de Espera



   Uma goteira marca o passar das horas, o massacrar do tempo, o torturar da mente, o adeus às unhas, ao desodorante, do sono e da pasta de dente. Não tem fim a poça d’água formada, parece, ali há séculos. É um ensaio pra morte, um preparo para o luto, um aviso da vida para aqueles que irão ficar. A TV ligada no repórter fala sobre as consequências e a definição do luto. “As veias Abertas da América Latina” ou do mundo, possuem outra conotação agora, sobretudo para os que ainda vivem.
Os deitados nos leitos sujos e abandonados pouco se importam com a entrevista do Sebastião Salgado em sua desenvoltura, recebendo aplausos. Aqui impera o esquecimento dos grandes homens da lei e das palavras, a vergonha dos familiares, as promessas dos antigos amigos. “Tira isso daí!”, “Esse coroa aí parece que tá falando inglês”.
    O eco na sala de espera se quer chega na memória. O apresentador do programa, bajulador de amigos, inquisidor de adversos, pouca simpatia passa, apesar de esboçar um falso esforço.  Aqui em seu colo, as palavras e os parágrafos de Jomard Muniz de Britto pesam nos olhos e no pensamento. E o livro parece um abismo. Um labirinto de apenas uma porta. Exigindo do leitor as respostas, as referências, os suportes para continuar a viagem, achar o caminho, se não, pistas. Um livro mágico que, quanto mais se lia, mais se tomava gosto pelas suas páginas, sua prosa, seu fluir de ideias, mais parecia ter um fim distante. Um bom livro é como uma pedra lançada longe para nos indicar algum caminho. Longe, longe. Longe onde a vista mal alcança.
     A bateria do celular já se foi uma hora dessas. Se foi também a paciência com as idas e vindas desse desgoverno nacional, a inconsequência dos homens, pendurando seus ódios, expectativas e frustrações em redes cibernéticas, falsas, imaginárias, irreais. Só as manchas de Piche que, como eu, parecem não ir a nenhum lugar.
    Ainda na sala de espera. Meia hora aqui parece um dia e meio nesse meio de madrugada fria adentro. “ainda há humanidade, se o Piche nos incomoda”. Lembrei de relance. Alguém me disse mais cedo, no meio de (mais um, claro, né?) metrô lotado de cansaços e corpos morrendo aos poucos, pretensos candidatos a renovar o estoque de involuntários que por aqui se encontram.
     Treze pessoas deitadas ao longo do corredor sem luz e com uma enorme poça, que parece ficar maior à medida que passam as horas, acabam-se os assuntos, a programação da TV, os parágrafos do capítulo e até os pensamentos. O sono não vem. Pesadelos rondam os cantos dos quartos. Sonhos aqui não entram. Ficam lá fora do muro. Seis delas tomando soro na veia. Esperam ouvir de um daqueles “anjos de branco” palavras que acalmem, que lhes façam lembrar de suas casas e suas camas quentinhas, seus travesseiros comprados na promoção.
    Dá saudade até de pegar a conta de luz atrasada e ficar alguns instantes refazendo planos imaginários de ganhar na loteria para sair daquele lugar. Mas, porém, entretanto, por voltar das quatro e meia da manhã os anjos não vem. Até os anjos dormem, sobretudo se não estão de cama. Só aquela goteira que insiste em permanecer.  Ali. Crescendo. Ganhando forma e as devidas circunstancias.

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