Trabalho




     Meio dia na rua da alegria. Um calor daqueles. E o professor com um copo de café na mão, os cabelos desgrenhados, olheiras enfeitando o rosto cansado, fios de cabelo grisalhos e a camisa do seu time do coração. A impressão que dá é que ele só tem aquela única camisa do time, original, acabadinha, com jeito de quem nunca a usou em dia de clássico. “clássico é em casa, corrigindo prova” vai me dizer se eu perguntar. Certeza absoluta. O professor, aliás, tem resposta pra tudo nesse mundo. Melhor nem perguntar. “mas não existe pergunta burra ou errada. Errado é não perguntar”. Também dirá ele em seguida, geralmente depois de nos entregar as provas e avaliar os resultados, se colocar à disposição para ajudar.
     Talvez ele se culpe. coitado. Querendo nos fazer encontrar uma droga de Pedra invisível no meio do caminho. É pedra que ele quer? Tem um monte na esquina de casa. tanta pedra que dá pra fazer até um castelo, uma casa. Pedra pra fumar e pedra pra jogar no pé de manga ou no trem que passa. Tanta pedra que dá até pra se enterrar com elas. Talvez ele se culpe. Coitado. Ou pense no jogo que vai ter logo mais, ou não. Talvez ele não vá pro jogo por falta de dinheiro. O professor nem tem um carro, chega na escola de ônibus. Difícil querer falar sobre poesia quando não se tem comida nem cor em cima da mesa da favela. O presidente vai diminuir o imposto do PS4. Grande merda. Pergunta lá aonde eu moro pra você ver.
     Meio dia e o professor derrubando um copo de café. E parece que ele está sempre tomando aquele café preto da escola. Forte e sem açúcar. Anestésico para se manter acordado, aguentar o tranco, varar a noite vivendo? E professor tem vida? Há uma mancha na calça jeans surrada que ele usa. Aquela mancha parece que nunca saiu. O café mancha, como a situação de nosso brazil. “Onde” e “Aonde”. Foi isso que ele nos ensinou a semana toda. Acho que aprendi. Mas professor não cansa. Não pode cansar. E tome café e tempo e falta de visibilidade, apoio e opção. 

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