O Dia em que a Net Acabou (de novo, hoje, até mais Tarde ou dois Comentários)




Devolvo seus Likes em apenas dois dias. Era isso que continha aquele cartaz pregado em um muro qualquer da cidade. Dona Nina. Era esse o nome da Madame. Aí lá foi o Hugo, ligar pra ela. Como ele mesmo costumava dizer, “corre Hugão em busca de seu tosco destino”. Dois meses depois e já estavam de namoro firme. Seis meses de namoro e já estavam noivos. Um ano de relacionamento e já estavam grávidos de gêmeos. Dois anos depois e eles me revelam seu discreto segredo. Dona Nina vendia e lucrava de sonhos. Fazia dinheiro enganando enganados. Mas nada funcionou com o Hugo. “Ele não precisa de muita coisa, apenas acreditar em si”.
Os incautos iam até a Madame em busca de um amor e ela mandava o/a indivíduo abrir uma conta no Tinder, sair mais de casa, dar um “Match” na vida, fazendo caminhada, cortando o cabelo ou sorrindo um pouco pra variar. “Já deu uma reparadinha em como o céu está azul e lindo nesse dia de domingo?” “é. Hoje é domingo!” Hugão não usava Tinder nem tão pouco costumava sair de casa se não fosse pra ir à padaria. Correr na beira de praia, nem pensar. “Is It Any Wonder”, do Keane, passou a ser um de seus mantras logo de manhã.  Ele agora andava de mãos dadas junto com alguém. Tenso, nervoso, cansado? Tímido? “Antes de sorrir para alguém encarei o espelho, de frente. E ele me mandou seguir. Sorrir antes para mim mesmo. E ele/eu/o espelho estava certo”.
Mas tudo mudou no insano dia em que meu amigo Hugo, ao ser assaltado no centro do Recife, passou a andar olhando por onde andava. Já repararam que em cada esquina opera uma farmácia? E isso é bom sinal? Só se for pra você. Isso prova o quanto estamos cada vez mais doentes e frios. A internet não nos deixou mais leves nem mais livres. Era tudo enganação. A internet nos queria era fazer sofrer. Aplicativos para envelhecer e roubar nossos dados, nossos corpos e esperanças. Pessoas negociando sexo em aplicativos, transando com seus dedos e imaginação, trocando fotos em lugar de gestos e carinhos. Você é bonito dependendo do filtro. Farmácias e celulares. Pessoas como Madame Nina trazendo seguidores, vendendo amor no lugar de dar e escondendo a idade entre falsas mensagens copiadas e coladas em sua Timeline no falso dia de seu aniversário.  
Silêncio no ônibus lotado ao voltar pra casa após mais um expediente bizarro. Silêncio na sala e na cozinha, onde passa a receita da moda no programa dos Chefs, mesmo o prato não estando tão fundo. Sexo cronometrado para não perder a estréia da maratona da nova série badalada no streaming. “Aqui você o controle”. Dizia outro slogan. Agora Hugo lia aquilo tudo. Lia e ria. Ria até se acabar. Acordava cedo e vivia no mundo real, deixando de lado os milhares e milhões de zumbis, amarelos, entrevados, covardemente transformado naquilo que viam nas cento e setenta temporadas da nova série entre as 10 mais daquele site. Agora era diferente.  Agora não mais.

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