Pai e mãe sentados ao
lado. Na ponta da mesa um sorriso meio sem graça de quem não gosta muito de
‘ajeitado’. Ao lado da mãe, a filha mais velha, segura a filha pequena, recém
nascida. A filha mais velha, primeira neta, segura pra mãe a mamadeira da irmã,
com cara feia. Não queria muito aquele serviço. Achava que ser irmã mais velha
era algo um pouco mais divertido. Senta ao lado do tio mais novo. Dreadlocks lhe deixa moderno. Tatuagens
nos dedos, brincos hippies e uma camisa com uma divindade hindu de oito braços.
Pede a batata. Não come carne tem um tempo. O pai não liga muito. Estão em
família. No meio da mesa o filho mais velho balança o também recém nascido
herdeiro. É seu segundo. O primeiro faz o pai ficar meio sem graça ostentando
um celular na mão. Parece que não está no mundo. “Deixa rapaz. E menino lá liga mais pras coisas?”. O pai solta
essa. “No tempo de vocês a coisa era
mesmo diferente! Duvido que alguém cômica na mesa com alguma coisa na mão; um
brinquedo, uma TV ligada, um caderno”... Lembra a mãe, aniversariante do
dia. Aquele seria o primeiro almoço em família para comemorar o aniversário de
alguém daquela família. E isso não era nada demais naquela casa. Aniversários,
dia das mães, dos pais, ano novo, páscoa. Isso tudo passava batido e não fazia
mesmo a menor falta.
“No tempo de vocês” era uma antiga senha que remetia a lembranças.
Aí todos viravam pra mim nessas horas e. . . Lembravam. “É, mãe, mas lembra quem não gostava muito de comer na mesa com todo
mundo?” Tinha até demorado dessa vez. Dessa vez, mesmo, já que era uma
ocasião formal, diferente, dotada de uma significação gritante e generosa:
meses antes, enquanto almoçava em um outro almoço de uma outra família e em um
outro contexto, viajando em como seria e assim fosse ou não fosse, lembrei de
que não tínhamos uma das coisas mais bregas e mais básicas em nossos alguns,
nossas redes e mesmo em nossa antiga casa: uma foto dos seis. Uma foto de toda
aquela família fazendo pose tipo “sorriso
Colgate”.
Éramos
seis. A novela de 1994 estava bem presente em minha cabeça
ao escrever essas linhas. Eu devia ter seis/sete anos e recordar vagamente da
mesma, mas lembro que assistíamos diariamente. Na real, era uma preocupação
minha ter nosso final como da mesma. E não me pergunte como nem qual o motivo
disso. A obra de Maria José Dupré ainda está na pilha de leitura a serem
feitas. Na pilha, não. Na lista, pra ficar mais bonito. Éramos seis, somos
seis, e não temos uma foto se quer de nossa família juntos. Como isso é
deprimentemente deprê.
“Pega
aí, menino o 36 poses”. “Vê se não corta os pés da tua irmã mais velha!” “Deixa
essa cortina um pouco de lado, é feia!” “Feia nada! Foi tua mãe que me deu!”.
“Acende a luz aí, Naldinho!”. E lá está a festa
registrada. 36 poses. Quem tinha dinheiro para as Polaroids era chamado de
rico. A nossa câmara era uma Olympus Trip 31. E não me pergunte como eu ainda
sei. Talvez eu te diga que ainda a tenho guardada comigo ou na casa da minha
mãe. A gente comprava um filme Kodak ColorPlus para 36 poses, e mandava ver.
Cabeças cortadas, cortinas do Mickey eternizadas no álbum de 15 anos de minha
irmã fora a expectativa de ir revelar as fotos. Aquilo tudo era quase um ritual
religioso, custava os olhos da cara e simbolizava o controle máximo do homem
sobre a natureza. Hoje, enquanto os pequenos correm ao redor da mesa e tiram
milhares de fotos com os nossos Smartphones sem crédito e sem bateria, rimos e
relembramos da única festa dada em casa: o aniversário de 15 anos de nossa irmã
mais velha, a única filha de uma família com três marmanjos como herdeiros. Ela
tinha ido para a igreja e, ao voltar, bum! Luzes apagadas, um monte de bola
colorida e um bolo, humilde e recheado dos carinhos de mãe e das vizinhas –
quase mães de nós também.
Éramos seis. Quinze
anos tinha agora minha sobrinha, primeira neta da casa. E ela, justamente,
também queria uma festa de 15 anos também. “Quem
mandou falar tanto da festa da mãe?” Vamo lá aqui. Todo mundo. Mãe no meio,
sentada no sofá, o casal de mais velhos, cada um de lado da velha, o coroa em
pé, eu e o mais novo de todos fazendo careta ao lado dele. “Careta não pode!” “Tira de
novo!” “Tira outra!”. Com o advento da tecnologia era tanta foto que,
quando vamos procurar, a gente já perdeu nos e-mails e paginas e redes sociais
da vida. “Outra foto agora!” Dessa
vez entram os netinhos. Coisa mais linda. Parece comercial de margarina. “Tinha que ser ideia tua, nera?” era.
Deixa elas aí. Daqui uns dias veremos pra quê servem.
Comentários
Postar um comentário