Retrato de família (ou, 36 poses)





Pai e mãe sentados ao lado. Na ponta da mesa um sorriso meio sem graça de quem não gosta muito de ‘ajeitado’. Ao lado da mãe, a filha mais velha, segura a filha pequena, recém nascida. A filha mais velha, primeira neta, segura pra mãe a mamadeira da irmã, com cara feia. Não queria muito aquele serviço. Achava que ser irmã mais velha era algo um pouco mais divertido. Senta ao lado do tio mais novo. Dreadlocks lhe deixa moderno. Tatuagens nos dedos, brincos hippies e uma camisa com uma divindade hindu de oito braços. Pede a batata. Não come carne tem um tempo. O pai não liga muito. Estão em família. No meio da mesa o filho mais velho balança o também recém nascido herdeiro. É seu segundo. O primeiro faz o pai ficar meio sem graça ostentando um celular na mão. Parece que não está no mundo. “Deixa rapaz. E menino lá liga mais pras coisas?”. O pai solta essa. “No tempo de vocês a coisa era mesmo diferente! Duvido que alguém cômica na mesa com alguma coisa na mão; um brinquedo, uma TV ligada, um caderno”... Lembra a mãe, aniversariante do dia. Aquele seria o primeiro almoço em família para comemorar o aniversário de alguém daquela família. E isso não era nada demais naquela casa. Aniversários, dia das mães, dos pais, ano novo, páscoa. Isso tudo passava batido e não fazia mesmo a menor falta.
No tempo de vocês” era uma antiga senha que remetia a lembranças. Aí todos viravam pra mim nessas horas e. . . Lembravam. “É, mãe, mas lembra quem não gostava muito de comer na mesa com todo mundo?” Tinha até demorado dessa vez. Dessa vez, mesmo, já que era uma ocasião formal, diferente, dotada de uma significação gritante e generosa: meses antes, enquanto almoçava em um outro almoço de uma outra família e em um outro contexto, viajando em como seria e assim fosse ou não fosse, lembrei de que não tínhamos uma das coisas mais bregas e mais básicas em nossos alguns, nossas redes e mesmo em nossa antiga casa: uma foto dos seis. Uma foto de toda aquela família fazendo pose tipo “sorriso Colgate”.



Éramos seis. A novela de 1994 estava bem presente em minha cabeça ao escrever essas linhas. Eu devia ter seis/sete anos e recordar vagamente da mesma, mas lembro que assistíamos diariamente. Na real, era uma preocupação minha ter nosso final como da mesma. E não me pergunte como nem qual o motivo disso. A obra de Maria José Dupré ainda está na pilha de leitura a serem feitas. Na pilha, não. Na lista, pra ficar mais bonito. Éramos seis, somos seis, e não temos uma foto se quer de nossa família juntos. Como isso é deprimentemente deprê.
“Pega aí, menino o 36 poses”. “Vê se não corta os pés da tua irmã mais velha!” “Deixa essa cortina um pouco de lado, é feia!” “Feia nada! Foi tua mãe que me deu!”. “Acende a luz aí, Naldinho!”. E lá está a festa registrada. 36 poses. Quem tinha dinheiro para as Polaroids era chamado de rico. A nossa câmara era uma Olympus Trip 31. E não me pergunte como eu ainda sei. Talvez eu te diga que ainda a tenho guardada comigo ou na casa da minha mãe. A gente comprava um filme Kodak ColorPlus para 36 poses, e mandava ver. Cabeças cortadas, cortinas do Mickey eternizadas no álbum de 15 anos de minha irmã fora a expectativa de ir revelar as fotos. Aquilo tudo era quase um ritual religioso, custava os olhos da cara e simbolizava o controle máximo do homem sobre a natureza. Hoje, enquanto os pequenos correm ao redor da mesa e tiram milhares de fotos com os nossos Smartphones sem crédito e sem bateria, rimos e relembramos da única festa dada em casa: o aniversário de 15 anos de nossa irmã mais velha, a única filha de uma família com três marmanjos como herdeiros. Ela tinha ido para a igreja e, ao voltar, bum! Luzes apagadas, um monte de bola colorida e um bolo, humilde e recheado dos carinhos de mãe e das vizinhas – quase mães de nós também.
Éramos seis. Quinze anos tinha agora minha sobrinha, primeira neta da casa. E ela, justamente, também queria uma festa de 15 anos também. “Quem mandou falar tanto da festa da mãe?” Vamo lá aqui. Todo mundo. Mãe no meio, sentada no sofá, o casal de mais velhos, cada um de lado da velha, o coroa em pé, eu e o mais novo de todos fazendo careta ao lado dele. “Careta não pode!” Tira de novo!” “Tira outra!”. Com o advento da tecnologia era tanta foto que, quando vamos procurar, a gente já perdeu nos e-mails e paginas e redes sociais da vida. “Outra foto agora!” Dessa vez entram os netinhos. Coisa mais linda. Parece comercial de margarina. “Tinha que ser ideia tua, nera?” era. Deixa elas aí. Daqui uns dias veremos pra quê servem.



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