Operação Vênus (Agente não quer só Comida)



A namorada dele é um pouco mais velha que ele: Dezoito anos, uma vida misteriosa em três capitais e uma lista enorme de três ex-namorados, dois fuxicos, quatro paqueras e cinco lances mal contados. A mãe jura que sua filha “não é dessas coisas”. “casa de homem, alisado com namorado, passar muito tempo fora? Isso nunca!”. Agora, dois anos depois de um relacionamento sério, seus pais sairiam para um feriado prolongado, e ela, coitada, doente de repente, não poderia ir com eles. O jeito seria apelar: ela ficaria com seu namorado, na casa de seus sogros.

O menino era um exemplo de pureza e castidade, diziam todos. Criado na igreja rezava o terço, dormia cedo, não usava a internet, rádio, TV, revista de mulher nua, qualquer coisa que não rimasse com missa, escola ou dedicação. Um santo. Dezesseis anos de puro exemplo e devoção. Mas, naquele fim de semana, casamento da prima segunda do pai, lá no interior do interior do interior do Brasil, e ele, filho único, virgem, um sacrossanto exemplo de integridade, ficaria com a ilustre missão de cuidar bem de sua hóspede. Três santos dias de tentação? Não. Ele era mesmo um santo.

Segunda, terça, quarta... Na quinta feira, pela manhã, ela lhe manda uma mensagem em um código pouco decifrável: “esteja preparado”. Na escola, passagem da sala para o pátio, a mão dela desliza suave em sua bunda, ela lhe sussurra algo em seu ouvido. Algo com as palavras “amanhã”, “noite” e “serei sua”. Aí o mundo inteiro, uma vida inteira, dezesseis anos de pura castidade, desabou. A saída foi procurar o João.

João era seu melhor amigo, e também conhecido pela fama de mentiroso, como daquela vez que contou ter saído com uma atriz do filme do Alexandre Frota. Outra apareceu com uma camisa manchada de batom: Fernanda Lima queria que ele “ficasse com ele”. Mas a melhor de todas foi aquela em que disse que dormiu com duas mulheres, na certa, sua mãe e sua irmã, em um dia de chuva.
“João Bocão”. Assim era conhecido. Ainda assim era seu melhor amigo, talvez o único, confidente, guardador de micos, e pela sua longa experiência com filmes para adultos, seria o cara mais experiente que ele podia conhecer naquele momento.

- “Ela vai chegar, você convida ela para dormir no quarto, diz que o sofá não é muito bom, e pimba! Quando você menos esperar, ela já tá por cima de você, você por cima dela, língua na língua.. vai ser difícil evitar você comprou camisinha né?”.


(Camisinha: aquela borrachinha que não é chiclete, com cheiro estranho, usado estrategicamente pra não te ferrar.).


- “Lascou! Me olha com essa cara não! Desse jeito sabe nem o que é isso, né, seu virgem bundão? Eu te falei: tu tem que assistir uns filmes desses comigo. Tua irmã viu e num reclamou. Que foi? Pensa que eu tô brincando? E foi aqui mesmo, na sala... claro que ela me pediu discrição, né? Ela tava com aquele surfista bombadão, mas adorou meus filmes, isso sim! Quanto a você, tem jeito não: vai ter que comprar camisinha!”.

Pela ladainha de “João Bocão” tudo devia ser uma grande mentira, menos a história da tal da camisinha. Devia ser algo muito importante mesmo. Sua mãe sempre falava disso. Dizia que a irmã dele tinha “vindo” porque ela tinha esquecido de usar a bendita. Segundo Bocão tudo era muito simples: contar as moedas, pegar a bicicleta, ir até o bairro mais próximo, entrar naquela farmácia de esquina, lá pelas onze da manhã e pedir a balconista um inocente pacote de “preservativo”, esse era o nome científico. Tinha errada não.
Tudo estava pronto. Era só os seus pais saírem e ele iria, calmamente, no outro lado da rua “comprar o pão”. Nada poderia dar errado. Boné, óculos escuros, bicicleta... Tudo acertado. Cinco horas, pai e mãe de malas prontas, telefone tocando. É a namorada, já estava chegando. Pneus da bicicleta cheios, óculos escuros, seis reais na mão, contadinho nas moedas e uma enorme ansiedade. “A primeira grande noite de um futuro grande homem”. Nada poderia dar errado.

- “Oi amor, tudo bem?”.
- “Tudo!”.


Menino educado esse. Lá dentro, uma cama enorme, vazia, um quarto que mais parecia um mundo inteiro e o peito apertado, dois peitos e um amasso.Ela tinha mesmo que vir com um short daquele? Daquele jeito, daquele tamanho, daquela cor? Tecido fino, macio, suave, culpado e culposo. Aquilo era quase um assedio. Pobre dos vizinhos, aqueles senhores de idade que, suspeitamente, jogavam dominó todo santo dia, na praça da esquina. Ela era puro hormônio e perfume. Fecha a porta, liga o som, coloca o celular em qualquer lugar do mundo... Parecia mesmo saber oque estava fazendo, e estava disposta.

A essa altura a bolsa já estava bem longe, não importava as três horas que passaram e a dura seleção juvenil para escolher quais seriam levadas para essa missão, foi logo soltando/prendendo aquele cabelo, desabotoando todos os botões do universo, “matando a rua inteira de inveja”, pensava ele, “verdes como o Hulk”.Hulk?” e isso era hora para pensar no Hulk? Não deu pra obter resposta. Em menos de um segundo ela se joga na cama, joga ele na cama, passa um golpe de karatê nele, pernas em usas pernas, ali, toda bela, toda nua, perfeita poesia, Camões e Vinícius, poesia em seu estado bruto de conservação e mocidade.

Naquela hora, Deus e o Diabo, Jesus e Elvis, poderiam bater em sua porta, e ele não atenderia. Seu mundo inteiro se transformaria daqui a três minutos e meio. Hoje não iria bater papo com a lua. Naquela hora todo o mistério da vida poderia colocar a cara, em um convite, na sua janela, ele não faria caso algum, seria até rude, grosso: ocupado pro mundo. Três minutos e meio. O resto era balela.

-“Penetra surdamente no reino das palavras... tens a chave?”.

Opa! O mundo parou. Ele não tinha comprado o tal do preservativo. O corpo suado, coração apertado, moedas saltitando no bolso, lá estava ela, a farmácia, amiga do inexperiente desesperado. Agora seria fácil. Tudo ensaiado. Seria... Não fosse a vizinha do lado, a melhor amiga de sua mãe, o professor de matemática, a ex-quase namorada, o amigo chato e a balconista, que, ironicamente, estudava na mesma escola, na mesma sala, e frequentava a mesma igreja que ele. Ainda de quebra havia um quadro enorme da “virgem” na entrada da farmácia, e três freiras, conhecidas suas, escolhendo pomadas, bem a sua frente. Parecia mais o Sgt. Pepper's dos Beatles. Tudo ali. Naquele dia.
Aquela farmácia parecia o local exato onde o Michael Jackson ia comprar seus remédios junto com o Elvis. Que mundo vadio era esse. Saiu do estabelecimento levando bala de gengibre e repelente. O mundo poderia acabar ali, mas, ela esperaria? Na saída, um barulho: “Mão na cabeça, seu puto! É você mesmo!”. Quem foi que disse que tinha levado algum documento, lembrava ou sabia o endereço, o número da casa, da rua ou do muro? Foi parar na delegacia, acusado de ser parecido com um parecido de um parecido ladrão de farmácias. Duas horas e meia até ser liberado. Noutro lado da cidade tinham pegado o ladrão de farmácia, furtando duas caixas de camisinhas.

Na saída da delegacia, mais uma surpresa: levaram sua bicicleta, moedas e sua esperança. Uma longa volta pra casa. Meia noite e quinze. É essa a hora que ele chega. Perto do telefone um bilhete do pai:
“Filho, tem dinheiro e camisinha, se você precisar, na minha segunda gaveta. Diz nada pra sua mãe não. Tô ligado na sua!”.

No seu quarto, a bela moça dormia tranquila. Quem sabe como teria sido a espera? A espera congela, cansa, martiriza. O DVD ligado, a janela aberta, o frio batendo na cama.
Enquanto ele corria, ela, entediada, assistia a um show do Bom Jovi. Estimulo maior pra dormir? Ele desliga a TV, fecha a janela, ajeita o lençol... Agora olhava a bela dormir seminua. E era tão linda. A ultima consolação naquele triste e longo dia. Três minutos que duraram uma eternidade. Foi até a cozinha, comeu alguma coisa, deitou no sofá. Não haveria magia alguma naquela madrugada. Apesar disso, sorri. Se sentia um homem. Tinha aprendido, em parte, o significado da palavra seguir e amor.
“Deixa pra lá; amanhã vi ser outro dia”.

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