Um Salto





Ela morava “de boa” em Boa. Sua maior viagem era andar de taxi, pra variar, à tarde, avariar alguns trocados do Father, avaliar a sociedade, olhar o mar sem saber nadar. Ela acorda todo dia ao meio dia, coloca a camisa do Náutico, vai para a academia, fingi cuidar da saúde, adora a mesma rotina de seu estado de burguesia, não reclama. Aprendeu a mentir, roubar, furtar, chegar tarde em casa. Fazer cara feia se ameaçada. Outro dia roubou só pra fazer raiva: 50 conto da carteira da mãe pra cheirar cocaína. Pôs a culpa na empregada. Seu pai parece não notar. Ela namora dois meninos e uma menina, ao mesmo tempo, diz que a vida não tem graça, comprou uma passagem e foi parar em L.A só pra não se sentir entediada, e se entediou, cansou de tudo na vida, tentou se matar, procurou um doutor: tinha carência afetiva afetada. Pra ver sua filha mais nova feliz, seus pais lhe deram um carro novo e um AP, só pra ver ela se animar ou melhorar ou se verem livres dela.
Ela fala, fluentemente três idiomas, está estudando mais dois. Possui três diplomas superiores, comprou outros dois; mas o que ela mais gosta aprendeu na rua, indo aos finais de semana pra favela com um antigo namorado que seus pais não gostavam. Depois de lhe presentear com uma moto nova e cento e cinquenta mil reais seus pais o fizeram acreditar que ele, realmente, não gostava dela: era uma menina muito mimada. A mãe não admitia, embora sempre ouvisse esse argumento, que não parecia um fato. Ela agora deixou os olhos azuis. Costuma mudar a cor dos olhos, do cabelo, das unhas, sempre que seu humor muda. Qualquer dia desses ela urina em todo mundo que passar na rua, lá, do alto de seu prédio, só pra desabafar e tirar a ressaca. Se for presa chama sua mãe, empresária famosa, ou chora a seu pai, juiz. Eles resolvem qualquer coisa. “Qualquer coisa eles pagam”.

Houve um tempo em que sua mãe não quis a ver em clínicas: pegava mal. Lhe deu um cachorro importado, um namorado novo, uma babá para adultos, duas semanas na Disney. Fez uma tatuagem no braço, uma frase de uma banda que ela viu em algum lugar: “Quem mora no interior vai buscar o interior; quem mora na capital vai buscar o capital”. Não entendia muito o que aquilo queria dizer, mas se sentia feliz em poder fazer uma tatuagem no corpo. Sentia que podia fazer o que queria.
Seu enterro foi lindo. Todo mundo de branco, lágrimas e mais lágrimas. Tudo no maior patamar. Seus pais não conseguiam se conformar. “Onde teriam errado?” se perguntavam. “Não demos tudo aquilo que ela queria, tudo aquilo que ela precisava?”.um dia depois de sua morte os jornais traziam uma nota “paga” sobre seu caráter e exemplo: “Era, acima de tudo, um grande exemplo, uma filha dedicada”. Perguntados a polícia afirmou estar fazendo todos os esforços para encontrar os suspeitos pelo crime. Um traficante teria sido detido, acusado de vender drogas para ”aquela menina”. O pai tratou de punir o marginal com a sentença máxima. “Esse tipo de gente tem mais é que pagar mesmo!” disse a mãe da menina emocionada. Agora muitos amigos se mobilizam para realizarem um protesto depois da academia. Nas redes sociais, grupos e mais grupos trazem as fotos da jovem e exigem justiça. Era um absurdo. Houve quem noticiou que eles eram namorados, e que ela teria atirado em sua própria cabeça após uma dose exagerada de cocaína e vodca, mas nada se provou. Hoje de manha chegou o jornal do dia. Um absurdo! Aquele traficante tinha acabado com aquela bela família.

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