A garota do carro, a praça de tarde e os meninos malvados

Uma coisa que sempre me fascina, em toda a vida do interior, é a forma como os dias costumam não passar. Ao chegar às quatro da tarde a vida para. Feriado então, nem se fala. O passatempo preferido da população mais “ociosa” é analisar o vai e vem dos pedestres, a correria alheia da vida dos outros em procissão. Nesses seletos grupos fala-se de tudo. De tudo e de todo mundo. Um pouco mal, um pouco bem. Mais pra um do que pra outro. E naquela pracinha iluminada, perto de casa, todo mundo que passava possuía um punhado de histórias nas mãos das “donas Marias” do bairro.
O padeiro “corno”, a manicure “dada”, o vereador desempregado, o garoto gordo, o bonitão pegador da mulher dos outros, o segurança “enrustido” e tantas outras. Elas achavam aquilo engraçado: falar da vida dos outros.




-“Você viu quem estava ontem na casa de dona Inês?”
-“Vi sim! Era seu Joca, da farmácia!
-“Que pouca vergonha! A mulher dele morreu, num faz nem seis anos, e ele já tá assim, arrastando a asa pra outra?”
-“E o seu Amadeu do leite? Você soube da ponta que ele levou?”
-“Essa vai ficar na história”...
E era assim o fim da tarde, a semana inteira, depois do “Vídeo Show”. Paravam apenas para a novela das seis. O filho afeminado, a brochada do professor de ginástica, o roubo do prefeito, a merenda estragada da escola e as roupas de todo mundo que por ali passavam, curtas ou longas, velhas ou novas.
-“Você viu a saia da filha da dona Tonha?”
-“Cada vez mais curta, à medida que a coxa vai ficando grossa!”
-“E a macumba de dona Jurema lá do beco do Inácio?”...
Mas, naquela tarde, o negócio pegou, o caldo engrossou, tudo por causa de uma história mal contada, envolvendo um carro e a filha do pastor.

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