Por Vezes...



Alguém morreu naquela casa. E era bem mais que um simples ente querido. Era o patriarca, o chefe de uma tradicional família de uma tão importante região. Havia luto, é claro. Antes de desfalecer, o morto ergueu uma fortuna sólida em sua juventude. Uma fortuna sólida, um patrimônio bem sólido. Agora imperava o silêncio naquela casa enorme. Corações tristes em um casarão de maio milhão de ouros e de sonhos. Uma sala inteira lotada, vestida de preto, e, lá no meio, uma moça de cabelos longos e loiros soluça em seu eco de pensamentos.
O morto era seu avô, que ela mal conhecia em vida. Ele talvez nem sabia o nome dela, indiferente. “Tinha tantos netos”. Nenhum de seus netos havia recebido apelido algum ou o nome de “minha querida”. Agora isso não importava. Aquele velho ranzinza guardava consigo uma caderneta antiga; nela, o nome dos filhos, netos, datas de aniversários e etc. Toda data especial, ele, religiosamente, mandava comprar e entregar “uma recordação”. Para os meninos carrinhos, para as mulheres perfumes, para as meninas, bonecas, roupinhas...Para os homens um charuto cubano. Ele gostava de Cuba. Achava Fidel Castro “Sensato”. “É disso que precisamos no Brasil!”.
A prima mais velha, e neta primeira, ela era quem mais chorava. Recebera, uma certa vez, uma boneca. Agora, prestes a completar seus vinte e dois anos, percebe que seu adorado avô não lembrava seu nome.



Refletia como seria o dia do fim. Recordava que isso estava escrito na Bíblia em algum lugar, mesmo não importando agora. Ali havia bem mais tradição do que pena, respeito, consideração. Do lado oposto da grande sala um sujeito calado, sério, a olha diretamente. Nada dizia. Ela naquele clima de sonhos, pernas cruzadas, as mãos no queixo, parecia absorver todo aquele peso do ar. Choro e morte. Fechava-se o caixão. As dúvidas, as opiniões e toda a sorte de contradição sobre aquela criatura iriam embora naquela hora.
Ela se calaria daqui aos próximos minutos, controlada por uma vaga emoção. Olharia o rapaz à sua frente, sairia sem demonstrar qualquer atenção, graça alguma, ao mesmo tempo em que daria um breve adeus aquele parente, estranho/presente, que seria a figura de seu avô, o homem que lhe mandava presentes a cada dia de aniversário, natal, solidão. O homem que não imaginava seu nome, que não media esforços para gastar tudo que tinha sem se importar com o futuro dos outros a seu redor. Agora era tudo uma palavra vazia. Não interessava mais o que ele tinha ou não para contar. Era uma casa, momentaneamente vazia. Alguém havia morrido naquele lugar.

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