Constrangimento (ou, chuva na piscina)





Sábado de manhã em pleno feriadão prolongado. Eu, Renato, Herbert, Agenor acordamos cedo para ir até o endereço de nosso amigo João Luiz. A missão: terminar o rascunho de um projeto a ser apresentado dentro de três dias. Dia antes e um telefonema assegurava que a agenda estaria confirmada. Vacilamos. Ao chegar no apartamento, onde o João morava com a mãe, não sabíamos o número do AP, o andar, e parece que nosso amigo não era muito bem conceituado com a vizinhança, nem tinha avisado ao porteiro de nossa chegada. Pra variar, não atendia o telefone.  


Você conhece aquele cercadinho de vidro de certos condomínios. A pessoa entra e fica semipresa, ouvindo tocar alguma música na Nova Brasil FM enquanto o porteiro, pai de família pressionado diariamente, entre o mau humor da madame e o mau uso dos playboys ao saírem pra escola. No rádio tocava ‘Volta’, da banda O Terno, mas nós quatro não éramos exatamente os Beatles.  

-Quem é mesmo o moço que vocês estão esperando? 


Não era ninguém. O filho da puta também não atendia o telefone. Tentamos explicar a fisionomia de nosso amigo idiota. Inutilmente. Agora tocava ‘Olha só’, do Terno Rei. Nós quatro ligando pro corno. Nada. 

-Os senhores vão ter que me desculpar, mas vou ter que pedir que os senhores esperem lá fora. Vocês entendem, né? Manda quem pode…


 Eram mais de nove da manhã. Aquele episódio do constrangimento no condomínio tinha durado cerca de quarenta muitos. E não era coisa simples. Não em pleno feriado. Agenor, sempre atento, tinha sacado uma padaria nas imediações do residencial, e ela estava aberta. Nada que um café fresquinho não possa salvar, sobretudo uma manhã de um feriadão, ainda ameaçando chover. Antes de tomarmos um rumo, um momento. O anfitrião, em mais um flagrante de desrespeito filho da puta, ligou para a portaria, avisar que ele estaria descendo em cerca de uns quarenta minutos.  


Um café. Croissant. Bolo de milho e um repertório de palavrões em linha reta. João, solteiro e morando com a mãe, tinha se dado ao luxo de acordar tarde, se esbaldando com o fato de que não costuma acordar antes do meio dia. Que sortudo! Voltando ao condomínio, novo constrangimento: esperar mais uns vinte minutos o pequeno príncipe descer. E os vizinhos passando naquele cercadinho, e a gente com a cara de poucos amigos, em rostos poucos afeitos a passar em propagandas na televisão. Eram quatro figuras de preto, dois pretos, com bolsas nas costas e cara de poucos amigos. Chega Joãozinho e sua cara de ressaca sem se desculpar nem soltar nem um bom dia para o porteiro, que não consegue disfarçar o alívio no rosto. 


Começa o segundo tempo. Não podemos subir para o apartamento. A dona da casa, mãe de nosso digníssimo anfitrião, não estava se sentindo à vontade para receber em seu apartamento quatro figuras estranhas, ainda mais em pleno feriadão. Uma beleza. Joãozinho nos convida para ir até a beira da piscina, onde quase duas dezenas de crianças agitavam o ambiente, condicionado e limpo especialmente para aquele fim de semana. Que tristeza! 

-Aqui tem tudo! Dá pra gente trabalhar aqui, no cantinho, desenrolar as coisas, preparar o material e deixar tudo pronto até umas cinco horas. 

 

Nesse momento a água da piscina, agitada por direito pelos pirralhos ouvindo Mundo Bita com todo volume possível, nos alcança. Não tem pra onde ir. Começa também a chuva. A vontade que dá é de jogar aquele inútil na piscina, quem sabe os moleques terminavam o serviço. Aí Hebert lembra de uma coisa que nos salva: naquela tarde, o prédio que abrigava a antiga sede da Livraria Cultura, bem no coração do Recife, iria reabrir justamente naquela tarde. A gente já não tinha nem mais fome. . . 




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