A cidade mata a gente cada dia mais um pouco...




A cidade mata a gente cada dia mais um pouquinho. Duas horas no calor do trânsito para ir ao trabalho, comer apressado e apertado dentro de um cubículo. Mastigar a marmita envergonhada. Saborear, literalmente, o pão que o diabo amassou e deixou pra gente. Um cidadão entra pela parte de trás do busão tocando bem alto um sertanejo universitário. Como aquilo arranha os ouvidos. Não dá pra distinguir o infeliz que joga pra cima as notas e a nossa já combalida paciência. 

O stress, o barulho, os cheiros mais dispersos, diversos e perversos nos afrontam. A cidade é suja, riscada e mau cuidada como um bebê abandonado numa sarjeta qualquer. Na periferia, medo. No centro o silêncio e o vazio compram as lojas enquanto as calçadas tornan-se casas. Medo de assalto e da PM. Outro dia 3 cachorros me cercaram curvando uma rua. 

A gente chega em casa morto. Cada dia um pouco. Deixa nas ruas nossa alma transfigurada em suor, saliva, moedas de troco e lisonjas ditas para estranhos. O cobrar de ônibus foi levado. O guarda de trânsito também. Juntos com vendedor de água mineral da Conde da Boa Vista. 

Sexta feira de tarde é um retorno ao matadouro. Senta no sofá e assiste ao mundo se acabando no noticiário. Não tiramos nem o sapato. Sexta feira a gente é um zumbi santificado. 

Sábado é feira. Pagode no domingo e o verniz da cerveja, pra segunda feira a gente começar tudo de novo e morrer um pouco mais. Um doador de sangue involuntário. Um zumbi de luxo. Um eletrodoméstico que troca sozinho sua bateria até cair em desuso. A cidade mata a gente. A cidade mata a gente cada dia um pouco.  

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