Violência

 





Todo trabalhador tem uma parada de ônibus para lhe chamar de sua. Com a Internet, os aplicativos velozes e a imposição desse 'estar nas redes' a coisa fica ainda mais presente e confusa, mas tá lá.  Um aplicativo que avisa a hora do ônibus e os horários, tem geralmente salvo o horário do ônibus e a nossa parada preferida, quando não raro, salvo com o título de 'casa' ou 'trabalho'. 

Na 'minha parada de ônibus preferida' uma cena sempre me chamou atenção, causando curiosidade, estranhamento, ódio ou pena, a depender do clima. 'Do clima' foi a forma que achei para registrar em minha memória a mesma cena que se apresenta naquele terminal. Todos os dias uma jovem mulher vai pegar o seu ônibus com a presença covarde e indigesta de seu marido.

A cena, pelo lado dele, é patética.  Um cara calvo, baixinho, sempre trajando chinelo de dedo, bermuda de menino, uma camisa regata e umas chaves de carro não mão, que ele fica girando com aquele ar de 'eu posso e vocês não'. A jovem, mais alta que ele, não consegue disfarçar o constrangimento.  Mais do que pegar na mão, ele puxa o braço dela para baixo, como se quisesse ficar ou se sentir mais alto do que se é, sabe? Não duvido que ela vá desenvolver algum problema de coluna com o passar dos anos, caso não se livre daquele encosto. 

A parada de ônibus nossa de cada dia nos marca. De certa forma nos aproxima de uma tal forma que faz de nós uma espécie de grande família. O calvo da parada de ônibus passou a ser odiado por todos nós ali naquele templo da espera, onde o trabalhador inicia doando seu tempo para engordar a conta do patrão gastando sua vida com a mais-valia. Uns chamam o insignificante homenzinho de 'pigmeu', 'pequeno príncipe', 'chatinho'. Mas os melhores são 'segunda-feira' e 'tempo nublado', esse é o meu preferido.  

'Vai chover hoje num vai?' Essa é a senha. E lá vem ele praticamente puxando a mulher pelo braço. 'Lá vem o barulho', ironiza uma irmã exaltando o fato de quando o 'pincherzinho' aparece finda todo o assunto. Definitivamente o cara é um estorvo digno de nojo e desprezo. Outro dia tive a oportunidade de ficar na fila e ver o cidadão plantado, esperando o ônibus dobrar a esquina para poder sair em seu passo de tartaruga e sumir feito o Mestre dos magos.   

Todo dia a mesma cena de segunda a sexta. Ele chega com ela, entra na fila, afasta todo mundo com aquele banho de perfume da Natura que ele usa, e só vai embora quando o ônibus faz a curva na avenida.  Todo dia. Uma vez presenciamos uma briga entre o calvo da parada de ônibus e uma jovem que foi entregar um panfleto para as mulheres falando sobre o dia Internacional da mulher. O baixinho não deixou nem se que a esposa pegar o papel. Leu, amassou, jogou no chão e soltou impropérios para a jovem, que fez questão de mostrar para aquele cão de guarda o lugar dele. Aquele dia foi um belo dia de sol. 

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