Parada de Ônibus

 




Dois homens se encontram na mesma parada de ônibus no fim da tarde.  Aparentemente iguais. Um tênis surrado, uma canção jeans que já viu dias melhores e uma bolsa remendada. As camisas não enganam: ambos são professores. O mais velho puxa um cigarro do bolso. Curte aquele cigarro do fim do dia. Daí vem um pigarro, tosse e uma escarrada no chão como um desabafo.


Uma carreta carregada de arroz tinha tombado naquela manhã, fechando a BR durante quase todo aquele dia. Ambos pensaram que a situação estaria resolvida no fim da tarde.  Não estava. Tiveram que amargar naquele dia quase três horas de espera.


Duas escolas vizinhas ornamentavam aquela rua. Uma municipal e outra estadual.  E elas, obviamente, disputavam também os olhos e a atenção daquele espaço no entorno chamado sociedade.  A escola estadual tinha acabado de ganhar título de Referência.  Traduzindo, isso não queria dizer nada. Era só uma forma do Governo Estadual fazer campanha. Por sua vez a escola do Município ostentava. Gigante. Fazia gosto de ver. Era Verde grana, ostentava uma quadra enorme, uma centena de salas, um auditório gigante, tudo puxando pro lado do eu quero o seu voto e cheirando a lavagem de dinheiro na maior cara dura.


Ambos ficavam em silêncio para a parada do ônibus.  Pensavam na vida, refletiam sobre o mundo, poupavam a garganta para talvez um terceiro turno? A rivalidade das escolas parece que não os afetava. Essa rotina ocorreu e continuou durante os quatro meses. De fevereiro até início de julho.


Lá para o dia dois ou cinco de julho o homem mais jovem quebrou o silêncio:

O senhor não devia fumar essa desgraça desse cigarro. Não nessa sua idade.

 O homem mais velho deu aquela tragada no cigarro, jogando ele em seguida. O olhar anterior, meio nervoso,  meio desconfiado, olhando para aquele jovem com um certo ar de curiosidade agora entendia.


Vai defender minha saúde agora? É incrível como a sociedade fica manipulando os velhinhos sem nem se quer perguntar a opinião do compadre.  Você não faz ideia pelo que eu já passei. Até outro dia desses eu tava com metade do meu corpo paralisado. Infarte. Quase que eu ia.

Então,  volte a fumar seu cigarro. . .


Perto da parada de ônibus tinha aquela barraquinha obrigatória do tiozinho. Um café,  uma água,  um salgado… bolo de milho, pastel de forno, tapioca e coxinha. Empada,  broa de milho e amendoim. Coca cola em lata. Uns quatro branquinhos de plástico pro público sentar. Pediram um café.  Ambos. Sem açúcar.  

O senhor foi meu professor,  num sabe?

Claro que eu sei, seu filho da puta!


Boas risadas. Quando as aulas voltaram em agosto aquela parada de ônibus se tornou numa festa. Aqueles dois homens davam uma verdadeira aula de ciência e filosofia a todos que ali estavam. O silêncio só retornava  quando ambos pegavam o ônibus. Era preciso poupar a ferramenta de trabalho para o terceiro turno.


Aquelas boas conversas duraram dias.  Até o mais velho confirmar que estava se aposentado por aqueles tempos. Antes disso acontecer tomaram bons cafés naquela barraquinha e reclamaram do tempo, da demora do ônibus,  da passagem cara, do sindicato que não queria radicalizar, dos finais de semana perdidos corrigindo prova e pensando na praia ou em quanto o Paulo Freire era famoso e importante,  apesar de pouco lido até mesmo entre os professores.  

Era um professor indo e outro assumindo seu lugar. - aposentar? Eu não queria aposentar. Se aposentar no brazil é morrer de esmola. Missão cumprida. Sem romantismo. O homem contava as moedinhas para poder voltar pra casa quando o mês beirava dia 15. Mas a vida seguia. Um professor educando gente, vivendo sempre na corda bamba numa nação mal educada.

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