Joana. A Santa

  



Não havia dúvida. A menina estava grávida. Pelo menos foi essa a conclusão que Marta, a empregada, chegara. Quase trinta anos trabalhando para aquela família e agora era demitida por ter dito o óbvio. A mãe de Marta tinha sido parteira no bairro em que ela morava. Na região todos conheciam e respeitavam seus dotes. E neta de parteira, filha de parteira, mãe de três filhas, sabia bem quando se tratava desse assunto. Grávida. Não retiraria o que disse. Demitida. Essa foi a repercussão.


A dona daquela casa era de família ilustre. Rica. Filha de político, esposa de político e mãe de político. Gostava de repetir que entendia a alma das pessoas. Só deu um vacilo quando sua filha mais nova, menor, de apenas dezessete anos, apresentou a família um tal de Maurício, estudante de música no Conservatório Pernambucano e seu namorado. Aquele era seu único fruto das aulas da filha, que parece que dera resultado.


Era preciso ter certeza. A mãe se quer deixou o pai terminar a frase quando o mesmo ouviu sem querer a empregada. Que dor de cabeça poderia dar aquilo. A mãe pegou a filha de manhã, colocou no carro, pegou todos os seus documentos e partiu para o hospital. Na entrada, já não gostou. Passou quinze minutos na fila. Tinha um rapaz Preto em sua frente, bastante educado inclusive. Odiou. Anotou em sua agenda da memória que iria abrir uma reclamação contra o péssimo atendimento da recepção.


Na conversa com a doutora a filha inventou todos os sintomas possíveis. Dor de cabeça, febre, tontura, falta de apetite, labirintite. A mãe só balançava a cabeça concordando. Encaminhou para o atendimento de urgência. Tomou um soro na veia, alguma coisa pra hidratar e tirou sangue para fazer uns exames. A médica chamou a enfermeira. Havia uma dúvida. Pensou em dar um buscopan. Chamou a mãe no canto para dizer os procedimentos, enquanto a enfermeira conversava com a moça.


Não gostou. A enfermeira era preta. Retinta. Verdadeiramente da cor. A médica notou o incômodo transbordando do rosto da mãe. Naquela hora, um misto de vingança educativa e protocolo da raiva dirigiram aquela situação: veja bem, minha senhora, sua filha pode estar grávida. Quase não há dúvida. Podemos fazer um exame para que não reste dúvida. Se a senhora permitir. . .


A mãe foi tomada de raiva. Gritando com os dedos apontados para cima, exigia a presença do chefe do setor, do gerente, do dono... chamaram a assistente social. Nada. Imagina se a minha filha, a minha garotinha iria inventar de engravidar. . . Não diga um absurdo desses. Depois de reclamar muito o pai apareceu no hospital. Não teve outro remédio a não ser chamá-lo para acalmar a fera. Ela, irredutível. A culpa era toda dele. A imprensa chegou a ser acionada. Queriam saber o motivo de tanto alvoroço causado pela filha do político local, tão afeito ao seu nome em fofocas na boca miúda.


Enxame feito. Não deu outra. Grávida. Minha vontade era quebrar a tua cara todinha. Saíram do hospital com a mesma pompa e ar de superioridade que entraram. Enquanto todos no corredor assistiam atônitos aquele circo a senhora se despedia de queixo erguido, não antes de soltar um é muita merda nesse lugar mesmo né...

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