Um telefonema sexta-feira de tarde.

 



Essa história é verídica.  Não tente reproduzir ela em sua casa.

Quem foi que disse que as pessoas não ligam pelo telefone? Com o advento da Internet algumas coisas tornaram-se obsoletas. Certas palavras, como eu aqui ora as faço, caíram em desuso. Ninguém manda mais uma mensagem de texto. Ninguém liga mais a cobrar para a mãe.  Ninguém nem liga mais. O negócio é tão sério que nem mais crédito a gente coloca nos referidos aparelhos, que servem de um tudo: televisão,  banca de revista, santo casamenteiro,  professor de inutilidades,  previsor do tempo, horóscopo de desgraças e detentor de um dos maiores canceres e cárceres que se pode ter: o grupo de família do zap zap. Prisão domiciliar? Babá eletrônica? Anestésico? Alucinógeno? Culto doméstico? Cabe tudo e tem de tudo no tal do smartphone. Menos ligar. Atender, receber e fazer chamadas. Isso agora é coisa de velho. Arcaico.  Ultrapassado. A depender, é claro, do lugar onde você fala e está.  

Era uma sexta-feira de tarde chuvosa no Recife. A exata localização eu não vou dizer, é claro. Eu conto o milagre mas não mostro o santo. Não é assim que dizem, né? Pois bem,  nesse bairro em questão,  as pessoas costumam ligar umas para as outras, mandar mensagens de texto em dia de aniversário e até ligar a cobrar pra mãe quando se precisa pedir um UBER para algum lugar mas não se tem Internet no celular. Aliás, coisa que não falta (ou melhor,  que falta) é Internet em celular de pobre antes ou depois do dia vinte de casa mês.  

Era uma sexta-feira chuvosa no Recife e o telefone de Dona Benedita recebia uma chamada. Dona Benedita está trabalhando  aquela tarde, no Bongi. Sexta feira, pra ela, era dia leve: passava roupa das oito da manhã até umas cinco da tarde. Sessenta conto a diária.  Não dava para reclamar. Se o dia fosse bom não precisava levar o cachorro de Dona Carla pra fazer suas necessidades, por favor. Benedita receberá um telefonema. Era Carlos.  Carlota para os mais chegados.

- olá dona Benedita.  A senhora tá em casa?

- Tô no trabalho,  Carlos (ninguém chamava  de Carlota na frente dele, claro. Mas como aquele era um apelido carinhoso, de infância, não chegava a ser um apelido desrespeitoso).

- Quem tá em casa hoje? O Silvanei? O Bruno?

- Silvanei deve tá na padaria essa hora. O Bruno no colégio.  Que é que foi? Alguma coisa aconteceu?

Era uma sexta-feira chuvosa no Recife  e a mente de Carlota estava ativa. A crendice popular naquele ilustríssimo bairro davam conta de que Seu Leonardo, pai de Carlota, era vidente em seus dias de juventude.  E que seus três filhos, Carlos, João e Vinícius também tinham dom da vidência.  Dos três,  Carlota era o possuía um poder mais latente. Profeta, revelador,  mediúnico, tergiversante... As denominações para o pai de Carlota nos anos oitenta eram muitos. Antes de morrer virou crente. Abriu umas sete igrejas na falava. Cada um com um nome diferente.  Em todas respondia ao epíteto de santo homem de Deus. Mesmo se dizendo crente vez em quando, volta e meia adivinhava o futuro de alguém.

Carlota não era crente. Mas respeitava. Naquele dia teve um vislumbre do futuro, uma revelação dos céus e ligou para alguns de seus vizinhos.

- Já que tu não tá em casa, passarinho,  manda alguém ficar de olho hoje lá na BR. Lá pelas quatro e meia da tarde uma carreta de frango vai tombar, depois daquele outdoor do sapato.

As previsões de Carlos eram sempre certeiras. Benedita ousou questionar. Tinha muita chuva, muita lama. Mas não cabia ser infiel numa hora dessas. Ligou pro filho mais novo a cobrar. Bruno já estava fora da escola tinha nem chegado a hora do recreio. Quando chegou na BR já tinha uma fila de inscritos. Dona Neide com sua cadeira de praia, seu Benevides e seu óculos de sol e Rodolfinho fazendo sua  tradicional palavra cruzada. Todos esperando a hora do milagre.

Lá pelas quatro e meia da tarde,  quase que uma premonição,  um caminhão carregado de frango tombou na BR. Disseram depois que, parece, o pneu furou de alguma forma.  Não deu meia hora e se via de longe uma fila indiana, muito organizada,  ajudando a aliviar o peso daquele caminhão tão abarrotado de frango.  

Seria um desperdício, disse uma moradora entrevistada pela televisão,  chamada de ladra pela população média recifense. E a gente ia fazer o quê? Deixar os frangos descongelado ali ao relento? Disse outro morador, com uma revista Veja na mão,  lendo a entrevista nas páginas amaremos daquela edição.  Outro transeunte, com uma camisa da CBF enrolado no rosto foi mais direto: o ano inteiro comendo ovo. Ovo de manhã,  ovo de tarde. Ovo de noite. Final de semana vai ter uma coisinha mais forte, né?

Perguntados depois, os PMs não souberam explicar bem a situação.  Foi uma terça-feira chuvosa no Recife. Mas, no sábado dona Benedita comeu um frango assado com batatas. Aquele foi um final de semana diferente. O primeiro dos seis frangos que um anjo deixou lá em sua casa, pra ela sorrir também.  

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