Um amigo me mandou uma mensagem pelo zap afirmando, segundo ele, que a epidemia da covid teria sido uma atualização das pragas do Egito. O motivo: a saída no Carnaval de 2015 de uma travesti fantasiada de Jesus Cristo. Além disso, segundo ele, o Carnaval é muito violento. E a festa do capeta. Pois bem. Carnaval não é festa nem de Deus nem da concorrência. Carnaval é a festa do povo. Talvez seja esse o motivo de tanto ódio contra essa manifestação popular.
Carnaval é uma vacina que precisa ser renovada a cada ano. Em seu conteúdo: esperança num dispositivo que a gente pode acessar quando tiver agonia ou pressa. Carnaval é uma amostra grátis do Socialismo. Por isso é tão perseguido. Carnaval é tão democrático. Veja o exemplo do Pastor Saulo Benedito. Antes de viajar na quinta-feira deixou pronto o sermão da quinta seguida, onde ele falaria sobre perdão e sobre o perigo de alimentar o pecado. Saulo vai subir ao púlpito todo bronzeado, olhar sorrindo para os irmãos e perguntar se todos tiveram um ótimo Carnaval com Cristo. Carnaval, não. Pois aquele que está em Cristo não precisa dessa festa da carne. E Saulo vai falar nisso sorrindo, lembrando do moreno que conheceu no ‘bloco do escondidinho’, bloco especializado em receber pessoas em busca de anonimato como ex-traficantes, atores falidos, maridos oportunistas, esposas indispostas, cidadãos de bem e bolsonaristas arrependidos. Quer saber onde sai o bloco do escondidinho? Dá um Google.
Foi num Carnaval desses que o Pastor Saulo conheceu também Josebias, policial militar, católico praticante, pai de família, casado e defensor da moral e dos bons costumes. Josebias costumava sair de Spiderman Pink nas ladeiras de Olinda pegando os boy e as novinhas na Festa de Momo. A pretexto de alguma Operação sigilosa do Governo do Estado, algum treinamento ou hora extra no quartel que ele passava o dia com a cara amarrada, botava sua farda e passava na casa da mãe para pegar a fantasia que ele jurava que estava guardada em segredo. Josebias saia do quartel, pegava o metrô até a estação central do Recife e de lá, depois de trocar de roupa no banheiro da estação Joana Bezerra, pedia o Uber em seu segundo celular, seguindo para os quatro dias de pegação e hora extra nas ladeiras de Olinda.
Todo mundo na rua de Josebias, é claro, sabia de suas estripulias anuais. Até sua mãe, que lavava, passava e guardava a fantasia do filho, e sua mulher, que recebia de presente do marido ressentido tecidos, perfumes e uma graninha para gastar com os meninos na casa da sogrinha.
Carnaval é amor, como o caso de Jefferson Jeremias (o JJ), que faz Uber o ano todo só pra levar Luiza, sua Meia namorada, pra ‘boyzar’ no Marco Zero tomando Heineken, espetinho de frango com bacon e vinagrete até amanhecer o dia pra começar tudo de novo. Carnaval é a vingança do povo pobre contra a opressão, o momento onde se enfrenta a miséria com o riso, a alegria e o Frevo.
Meu amigo, aliás, esqueceu de lembrar que o caso do Jesus Travesti não foi nem no Carnaval. Mas Jesus perdoa tudo, como lembrou o Poeta Miró da Muribeca, Na quarta-feira de cinzas Deus, de ressaca, perdoa quase todo mundo.
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