Quando a Seleção jogava era feriado. . .

 



    Despois  do vexame de 1998 eu simplesmente deixei de torcer pela Seleção. Eu tinha lá pros meus onze anos, achava que estava começando entender da vida, ficando 'taludinho' e fiquei muito puto com a Seleção. Tadinha. Essa juventude. A impressão que eu tinha era que tudo era mais inocente, mais simples. A gente pintada as ruas, colocava umas bandeiras pelo bairro inteiro, fazia as faixas, bandeiras, camisas, todo mundo largava mais cedo e, mesmo se fosse até um amistoso qualquer a obrigação do torcer pela pátria falava mais alto. 
    Não sei. Parece que a inocência foi indo embora, a gente descobrindo que outras pessoas mandavam na seleção e aquelas declarações tão apaixonadas dos nossos jogadores, treinadores, ídolos, na verdade não eram tão apaixonadas assim. A Copa do Mundo seria melhor sem a FIFA, a Seleção melhor escolhida sem a pressão dos patrocinadores e  a gente menos ranzinza se não escolhessemos o futebol, essa paixão nacional, como medidor de amizades, divisor de águas, motivo de briga nas famílias na hora do almoço, no grupo do ZAP, na hora do jantar. 
    Veio a França, a Alemanha, a Bélgica, a Argentina. . . Parece que, de repente, essa diversão que a gente tomou emprestado dos ingleses (e nunca mais revolveu) meio que passou a ser de todo mundo. "Definitivamente não tem ninguém mais besta". "Se vacilar, perde!" "Quem não faz, leva!". Verdades filosóficas que saíram dos botecos e ganharam as redes. Sabe aquela história de que todo brasileiro é um técnico de futebol? Imagina esses técnicos igados na rede. E o smartphone tomando a vez do rádio de pilha com uma pilha que parece que não termina nunca. 
    A coisa foi tão feia, perdemos tanto a graça e encanto em nosso 'time', que a camisa da seleção, que quase estava jogada no lixo, virou medalhão de fascista, propaganda enganosa de falso patriotismo. Todo esse ódio, toda essa raiva tem muito com a nossa ligação com esse patrimônio quase cognitivo, esse domínio público, essa instituição pública nacional que a gente reclama e acha que é nosso mesmo sem ser nem um tiquinho. 
   A vida ficou mais difícil depois daquele 7 X 1 da Alemanha, daquele quadro pesado pintado em 2014 com a juventude sem emprego e sem escola, temendo o futuro, levando bala de borracha do lado de fora dos estádios e o Neymar fingindo jogar bolar dentro de um estádio lotado de riquinho mimado, uma verdadeira louvação hipócrita. 
    A camisa Verde e Amarela fala sobre nós e nosso país e vai continuar sendo essa confusão nacional, esse espelho que nos mostra que talvez o mundo real e o ideal andam se batendo ou não tenham tanto acordo feito aquele radinho de pilha que virou smartphone e passou a ouvir e ver uma vida tão cheia de contradição. 
    A gente reclama tanto do futebol talvez pelo fato dele ser mesmo nosso, estar em todo o lugar do país quando a gente olha, mas a nossa paixão nacional não ser tão romântica assim. A gente antigamente era mais inocente. Hoje toma antidepressivo pra poder dormir. A gente era inocente. Hoje deixou de ser besta. Ou só está procurando um motivo?  

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