Meios Contos Tortos: os cães





As ruas escondem segredos que escondem verdades muitas vezes não tão felizes. É o sorriso de quem vai dormir nessa noite envolto em pura poesia, é o escárnio de um pé na bunda (dorme, desnorteado), é o escarro baixo, o pigarro nervoso, o farol baixo do carro da polícia procurando a quem possa tragar dentro de uma noite nem tão veloz mas fria como aquele coração sem pilha que desligou o telefone e deixou a noite do Vinicius virar um Augusto 'sem' Anjo algum para lhe consolar...

A noite tem vários nomes e vários rostos, olhares indiscretos que sussurram, ventos que brincam leves pelos becos sem amantes, o esperar quase sem respiro do assaltante, a mão da mãe apertando com força o lenço esperando pelo retorno dos filhos. E lá estão eles: os donos das ruas, senhores das encruzilhadas, guardadores de encomendas e de calçadas. No meio da noite, uivam... Riem do amor que se espatifou em bem mais que dois, enxergam de longe teu medo indo a teu encontro justamente daquela casa da esquina pra cá. Rua Nova, número 76, três passos pra frente do portão e os Questionamentos, as dúvidas. Justamente às duas horas da manhã...

Mas lá estão eles: amigos cinceros de nossa espécie. Ignorados e afugentados pelo sol  da manhã, agora ocupam a avenida, conversam entre si, falam como foi seu dia, questionam a necessidade de um dono e consagram para lua seu tempo e seu sono num bocejo aparentemente indisciplinado, mas não é bem assim...

O banco da praça agora é deles. O banco da praça e a queda da bolsa. A ferrugem do frio verso deixado por alguém naquela árvore e seu tronco. Olhos brilhosos num escuro frio. Tiram até o torpor do álcool.  Estraçalham teu braço,  bebem teu sangue, arrastam teu corpo inerte para um inferno. Depois voltam pra se deitar na rua, esperando um próximo.  

Amanhã não estarão mais aqui. Enigmáticos olhos. Seguiram tranquilamente o caminho dos que se foram, levarão os mistérios dessa vila sem vida, seus moradores mortos, a neblina que de 12 em 12 dias costuma pairar sobre aquele antigo terreno, onde outrora, dizem os mais velhos, os mais afoitos, havia uma vila de pescadores ... 

Hoje, não se sabe ao certo, não há comprovação nem dinheiro que o consiga, Paragens dos Milagres surge com seus moradores caninos, oferecendo (quem sabe) caminho seguro, um guia para aqueles que um dia se foram sem deixar vestígios, sem fazer alarde, sem deixar amigos que o valham. Aqueles que, no auge de suas arrogantes vidas pactuaram com o sem nome suas almas. 

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