Deixaram Sofia sem
internet em plena quinta feira. Você imagina o significado, a profundidade e a
problemática de uma situação dessas? Sim. Exatamente. Concordo contigo. É bem
por aí mesmo. Quem é que liga pra alguém de um celular hoje em dia? Aliás, quem
é que ainda liga pra alguém? Ninguém liga! E esse ‘liga’ tem sim um duplo
sentido. Eu ainda ligo pras pessoas. Ainda mando MSM (mensagem de texto) e
ponho crédito no celular, evitando que a senhora operadora bloqueie a minha
conta. Mas vamos voltar para o problema. Não deixem esse cronista (que ainda
escreve de papel e caneta) se perder em sua divagação. Imagine uma criança, no
alto de seus quase dez anos, sem internet numa casa pequena. Sim, pois toda
casa, não importa o tamanho, é sempre pequena quando se falta internet em plena
quinta feira.
Antigamente a cara era
gigante pra mim. Num dia em que faltou energia (a gente dizia, ‘faltou luz’, ‘chegou luz’, ‘chegou gia’)
lá na minha rua, inventei de brincar de fantasma. Coloquei um lençol e fui dar
uns sustos na família. Levei uma topada no pé do sofá. Quase arrancava a unha
do dedão do pé. De quebra, ainda umas duas tapas de mãe. E mão de mãe pesa,
viu? Num vem com essa de tapa de amor não dói que não rola. Mas isso eram os
anos noventa. Hoje em dia quem manda é o celular. Inevitavelmente. As topadas
hoje são nas chamadas redes sociais, e algumas machucam mais do que o pé do
sofá, deixam marcas ainda mais profundas. Mas agora Alana está sem internet em
casa. Ficou parecendo um celular sem bateria. Outra coisa, aliás, que ela nunca
faz: colocar o celular pra carregar. Celular descarregou? Pede pra mãe
‘emprestar’ o celular. Joga o descarregado e inútil pro lado. Sem internet, é
mesmo que tá descarregado. Vale de nada. Sofá
e tédio. Começa a reparar nos reparos que faltam na casa. Parece a mãe. “era bom ver se colocava um gesso nesse
teto, nera?” “essa quarentena acaba
quando?” “tu vai ler gibi de novo?”
-tô
com fome! Queria comer alguma coisa!
-
tem cuscuz!
-
eu queria comer alguma coisa gostosa...
-
borá pedir uma pizza, mãe. . .
-
oba!!
Eu vou reclamar, fazer
cara feia. Fazer corpo mole por ter que deixar de ler meu gibizinho. Reclamar
do sindico que mandou cortar os fios da internet em plena quinta feira de
quarentena. Reclamar por ter que ir lá ao portão do condomínio para buscar a
pizza. Mas a raiva mesmo é ter que colocar a
máscara, ter que esperar o cara do restaurante na frente do prédio, na rua, com
medo do vírus (sim. hoje dá mais medo do que de assalto. Se for assaltar, vai
levar nada mesmo). Segunda feira eu juro que vou acordar cedo. Cedinho. Cedo
feito promessa de final de ano. Aliás, todo mundo nessa quarentena fazendo
promessa feito fim ano. Mas vale. Tudo
vale a pena. Mas vai dizer pra Sofia que ela talvez fique sem assistir a
série dela. Eu não me atrevo.
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