Primeiro ele se arruma
todo. Penteia os cabelos, coloca o melhor perfume e sai. Tá na cara que ele
esperou muito tempo por esse dia. Nada podia dar errado, não dessa vez. Ele
sairia de casa, aproveitaria a festa da melhor maneira possível e não voltaria tão
cedo. Hoje não. Não dessa vez. Por coincidência era um domingo. O telefone
toca. Do outro lado da linha alguém jura estar doente. Impossível sair. Agora tudo parece estar errado. Revolução no
paraíso. Respira fundo. Senta. Lê duas ou três páginas de um gibi. No aparelho
aquele CD. Duas ou três músicas de fundo. Deita. O sono não vem.
Pega o telefone. Alguns
números para discar. Ligar para os amigos. Quem sabe alguém queira conversar.
Era um domingo. Jogar dominó? Tocar violão? Todos foram pra festa e ele ali
sozinho. Senta no sofá. Na TV, um pastor fala que todos irão para o inferno
qualquer dia. Manda a gente por a mão no bolso. Abrir a carteira ajuda a tocar
no coração de deus em algum lugar, mas o telefone continua ainda mudo. Essa
seria uma boa hora para um milagre desses, Jesus,
venha cá! Indignado, se arruma. Sai feito um foguete.
No meio do caminho,
chuva. Aí o telefone toca. É Caroline.
Pergunta diretamente, como uma punhalada no coração como ele está. Ligou pra
saber se ele vai dormir cedo. Agora ele mente. Diz que não sabe. Faz charme.
Modifica o tom de voz pra valorizar. Time perdendo em pleno segundo tempo,
artilheiro no banco todo esse tempo, é normal, mesmo que machucado, a torcida
vibrar quando ele chamado para entrar em campo. A voz manifesta um pouco de
pressa. Nem parece que aquele era um compromisso esperar por meses.
Meia hora depois Caroline desce do ônibus. Passa em
frente da casa dele. Vestido azul, mãos dadas com outro qualquer. A noite já
era. Acústico MTV da Legião Urbana e Raça Negra. Lulu Santos. Léo
Jaime e SPC.
(2006)
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