SHAZAM! O Super-herói Brasileiro




Flávio deve acordar cedo. Quando dorme, levanta-se uma seis e meia da manhã pra pegar no batente cedo. Flávio é professor de história. E esse tem história pra contar. Atura os moleques das sete e meia ao meio dia. Mais ou menos isso. Meio dia e meia engole alguma coisa e parte. Pega o carro, que é meio sambado feito o carro do Vander Lee, bota pra tocar um som (talvez uma Nação Zumbi) e corre. Liga o aplicativo de corridas, tira a farda da escola, bota outra camisa e corre. Duas ou três corridas. Nem conta os trocados. Se for colocar na balança o dinheiro da gasolina ficaria triste. Flávio é motorista de aplicativo nas horas vagas. Até umas duas e meia, se o movimento estiver bom, corre de um lado pro outro das ruas do Recife pra onde for.
Duas e meia tem banca de estudos. Outros pivetes, agora os metidos a adultos, passam umas horas recuperando ou ganhando tempo para enfrentar os ENEMs da vida. Cinco e meia. Flávio agora tem outra banca. A de revistas em quadrinhos. Antes, o mesmo ritual de sempre: tira a farda (do cursinho), bota outra camisa e parte. Passa em Odin, seu deus. Calma! Flávio é católico. O Odin em questão é Orlando. Seu Orlando. Um dos maiores nomes dos quadrinhos em Pernambuco. Avenida Guararapes, 233, Recife. Fecha umas sete e meia. Passa, compra umas revistas, joga uma conversa fora, liga o aplicativo e parte. Toma um copo de café, quem sabe. Roda até umas nove e meia.
Dez horas. Flávio chega em casa, já moído pela canseira do dia, separa uns livros, corrige umas provas, prepara umas aulas, responde umas mensagens nos grupos do “Zap Zap”.  Hoje o movimento é fraco. Flávio vai ficar até umas duas e meia da madrugada corrigindo provas, preparando aulas, completando uma rotina quase sem vida. Queria mesmo era adiantar a pilha de HQs que tem pra ler. Assistir calmamente dois episódios de sua nova série preferida. Assistir aquele filme que alguém lhe disse que ele deveria assistir. Mas hoje não dá. E ele divide suas noites entre o corrigir de provas e o correr de carro. Nenhumas das duas atividades é brincadeira. E ele sabe. Na nova realidade brasileira Flávio é quase um novo milionário. Empreendedor de carteirinha. Vai ficar rico? Não se sabe. Será que Flávio duvida disso às vezes? Morto de cansado, isso sim. Ele fica. Já está. Pensa até sair do país. Portugal, quem sabe? Por enquanto ele é pontual.
Flávio é talvez o maior (e quase único fã) de, como ele costuma dizer, outro injustiçado: SHAZAM. Criado no final da década de trinta, o herói desconhecido pela maioria, foi acusado de ser plágio do bam-bam-bam da parada. E como ele ostentava uma roupa vermelha em plena Guerra Fria, foi engavetado, jogado ao esquecimento. Perdeu até a patente. De Capitão Marvel passou para um palavrão: SHAZAM! E nada de maravilha. Com a camisa desse herói desconhecido, Flávio segue em seu ritmo. Seis e meia, meio dia, duas horas, cinco e meia, oito horas, vinte e duas. Ouviu pelo rádio o Santinha, seu time, ser rebaixado de novo. Mas não liga. Como seu herói favorito é um cara de convicção. Deve ter votado no outro capitão (pra presidente). Não sei se ele se arrependeu. Foi outro dia desses pra uma manifestação contra a corrupção. Ainda pensa em sair do Brasil qualquer dia desses. Mas prossegue a vida seguindo o relógio. Outro dia desses um de seus alunos lhe perguntou quem era aquele herói da camisa. Explicou calmamente. Horas depois foi um passageiro que lhe deu cinco estrelas e um elogio no aplicativo. “Motorista Geek”. Levava o cliente para o cinema no centro. Ver um filme. Às vezes eu fico imaginando se Flávio, como o herói dos quadrinhos, olha de um lado pro outro antes de falar baixinho aquelas palavra mágica da revista e mudar de vez. 




Comentários