Cá estou eu. Tentando vencer esse
calor que faz no Recife e perdendo diariamente. Ido ao trabalho, aquele ônibus atrasado-lotado-quente,
tento pegar o livro da vez pra continuar lutando com ele. O indivíduo em
questão é um tijolo com 200 crônicas do Rubem Braga. E como era genial o
Braguinha. Sério! Como é que ele foi capaz de falar sobre o país de hoje em crônicas
da década de 30, 40 e 50? E os moleques achando que Harry Potter é massa. Que magia
tem ali mesmo? Braguinha, não. O Braguinha fala umas coisas em dois, três
parágrafos e deixa a gente remoendo o que ele disse o dia inteirinho.
E lá estou eu. Passei metade de
dezembro e todo o janeiro brigando e admirando o Rubem Braga. Como dei a sorte
de conseguir acento no busão, pego o livro e vou lendo, descansando a vista, às
vezes, na praia que tá logo ali do lado. “fim
de semana agora eu vou pra praia! Tu vai ver”. Ou então: “borá, mô, pra praia amanhã”, mas esse
amanhã nunca chega. E a culpa não é só da Netflix. Mesmo. Pego o livro. Olho a
praia. Começo a ficar tonto. É o calor da cidade? É a vista cansada? Ou será aquela
conversa que ler dentro de meio de transporte dá isso mesmo? Eu não sei. Começo
a suar frio.
Isso é a idade, meu velho! Não adianta tentar disfarçar não! Eu falei foi contigo! Olha aí o “mói” de cabelo
branco na cabeça de “meu fio”. Meu deus! Seria mesmo? Estou ficando velho
enfim? Fecho o livro. Confiro empiricamente a teoria que mãe, irmã, tias e o
mundo sempre me dissera e eu rebatia: “eu
não! Eu leio um livro inteiro se deixar!” lia. E essas tonturas quando
passa da hora do almoço? Antigamente, qualquer meio pacote de biscoito,
precisava nem ser um Treloso, já satisfazia. Agora a azia toma de conta. Cuscuz
agora, lá em casa, só com saladinha. “Mainha” quem gosta dessa história. “pra comer cuscuz tem que fazer salada, é?”
adeus Kitut. Depois de meses comi em casa alguma coisa com salsicha. Mortadela já
era de vez.
Pensando bem, no alto dos meus 32
anos, isso não quer dizer é nada. É apenas motivo pra escrever, jogar palavra fora, esfriar a cabeça
numa noite que continua tão quente que nos tira a vontade de dormir. Era bom agora um kitutizinho, nera? Uma carne
de lata. Duas rodelas de tomate e duas de cebola, um cuscuz com aquela margarina
por cima e um copo de café. Sim. Porque eu não entendo: pode ter um segundo
sol no horizonte, como profetizou Nando Reis, mas o recifense faz aquele
cafezinho e toma. Sem estresse.
Mas isso é mais um sinal de
velhice. Vocês que não perceberam. Elenquei. Citei vários. Vocês que não
notaram. Tá vendo que vale a pena exercitar o escrever? Mas voltemos pro ônibus,
que devia tá tão quente a essa altura, especialmente depois de ficar preso num
engarrafamento, que resolvi sair de dentro dele até na história. Fugir do calor
a todo custo, a todo preço. Só falta aumentarem o preço da garrafinha d’água também.
No Sertão, em qualquer lugar que se vá, a garrafinha custa R$2,00. “água é vida!” alerta o vendedor. Aqui
no Recife, não. Aqui é na base do “Vai dá
sede!” aí você se sente impelido em comprar a garrafinha de água dele. E compra
até mais. Água mineral tem vendido mais do que pão!
“a garrafinha d’água nossa de cada dia nos trás hoje”. . .e é tanto o
calor que a gente se perde sozinho, tá vendo? Mas lá tamo nós no ônibus,
indignados pelo motivo de nunca cumprimos nossas promessas de irmos à praia nos
fins de semanas e feriados. Só Alana que bota moral na gente e nos leva pra
praia. Ela, aliás, está bem à frente do seu tempo. Passou as férias todas
tomando banho de piscina. “Liga pra avó! Vó,
bom dia; cadê Alana Sofia?” a resposta já vem certa, carimbada e monótona: “vou passar o dia na casa de uma amiguinha. Parece
que lá vai ter um bolinho pra elas e banho de piscina”. Não deu outra. Agora
vou passar o ano a chamando ela de “bandepiscina”.
Pronto! Já era!
“mas vocês também são lasca, né? Por que é que vocês não vão pra praia
também? Vocês mora aí pertinho!”. Vamo nada! É igual à promessa de
emagrecer que a gente faz no fim do ano e tantas outras: “não assisto mais a Anatomia da Grey”. Depois tá a gente comentando
quem foi que morreu de forma meticulosa no penúltimo episódio da trigésima nona
temporada. Ainda sem a volta do George O’Malley, o que é um absurdo, já que a
série apela tanto. Que custava o fazerem ele voltar dos mortos, nem que fosse como
um zumbi, alguma doença rara e tal? Não liguem, é o calor. Eu falo demais
mesmo, né?
Tudo para terminar reclamando do
absurdo: com tanta pista, tanto carro no Recife despejando na atmosfera dióxido
de carbono, metano, óxido nitroso, o BBB, os tuites do bolsonaro e as revistas
do irmão do Felipe neto (como é mesmo o nome dele?). Tanta pista esburacada pra ocorrer um
engarrafamento e o trânsito cisma de parar bem do lado do mar. Aí gente se
revolta mesmo, pede pro motorista pra ele abrir a porta do meio, pede desculpa
pra dois ou três, abre caminho na multidão com suas roupas coladas no corpo de
tanto calor, seus desodorantes da Avon (alguns também quase indo embora), desce
do ônibus, tira o sapato, tira a camisa, liga na mente aquela playlist que
começa com uma música em que o Diogo Nogueira fala que tá com o pé na areia e
parte. Entra no mar só de cueca mesmo! Os outros, atônitos, te seguem. Alguns,
mais conservadores, nem descem. Ficam de longe olhando, reclamando que também
está precisando de um bom bronzeado voluntário.
Mas isso é tudo conversa de quem
escreve. Tu desceu porra nenhuma! Tu ficou foi imaginando a cena. Nem isso. O calor
tava tão grande que até o tema da crônica se perdeu na quentura. Tu tá mesmo é
certo da única grande notícia e certeza da manhã, além do engarrafamento, além
do calor dos infernos e além da mentira que o cara que passa o dia vendendo
água no sinal é empreendedor. Só uma verdade certeira e justa: hoje tu vai
chegar atrasado.
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