Black
Friday de frauda. Dá até rima. Minha mãe, minha cunhada
madrugando numa fila para trocar tapa com os seguranças logo de manhã cedo. Hilário
é ouvir dela contando a saga. Fim de ano, eis que surge mais um Mega Saldão de coisas da qual não precisamos,
para estocarmos em nossos pequenos lares cercados por contas d’água, de luz e
da padaria do Seu Nézinho. “Tudo pela metade do dobro”, diz um
amigo meu. E as pessoas compram, madrugam nas filas, se estapeiam, dormem em pé,
para fazerem mais dívidas para aliviar a pressão do Natal, do Fim de Ano, do ano
velho que vai e deixa suas dores de cabeça em milhões. Coincidentemente são os
mais pobres que irão se atolar na lama da dívida em mais um ano de letreiros
bonitos em vitrines nos chamando pelo nome.
Black
Friday na farmácia. Sim. Até lá. Tudo é possível no
capitalismo. “mantenha firme seu vício”. “fique
sempre dopado”. “leve cinco rivotril e só pague três”. Promoção de tarja
preta pra segurar o corre corre da vida, esvaindo-se em suor nas ruas do
Recife. 38 graus em Petrolina. Serra Talhada nem se fala. Tarja preta para
entender o fim da novela e suportar as mentiras do presidente e de seus
ministros, todos aparentemente saídos de um manicômio ou de um filme de terror
de quinta. “não xinga os perturbados
mentais”, dirá outra amiga minha.
E lá se vão as pessoas
se dopando cada vez mais, tornando-se escravas dessa indústria da depressão,
enquanto a mídia local esconde a tragédia de um jovem que se jogou do sexto
andar de uma universidade famosa do Recife, outra jovem se joga do parapeito de
um Shopping, enquanto a Netflix cuida de nos amortecer as dores, amorfinar as
expectativas em um ano novo de verdade. Salvação mesmo ou em Jesus ou na bendita
da Black Friday, essa que, se não nos
salvar, pelo menos enfeitará a nossa casa para o Natal e Réveillon, mesmo que,
no bolso, corte e pese aquela navalha que o Cazuza cantou.
Black
Friday e o repórter pala em “aquecer a economia”, o jornalista entrevistado jura que “o evento salvará nosso país, tirando ele da
crise”, o economista é mais modesto: “há
pesquisas científicas que atestam que o cérebro humano se distenciona quando se
fala nesse tipo de promoção” e trá lá lá. Mas nossos olhos não dizem nada. O
flamengo ganhou o brasileirão e agora só se fala nisso. Foi o produto esportivo
mais vendido pela rede globo nessa Black
Friday. Falaram tanto disso que se esqueceram de que o título de 1987 é do
Sport Club do Recife. Falaram tanto nos títulos que abafaram o caso dos dez
adolescentes mortos no CT do clube.
Black
Friday e a morte do apresentador Gugu. Foi a Black Friday da Black Friday que as elites estavam esperando. Grande contribuição
para a sociedade brasileira ele deu: pessoas se agarrando na banheira, bundas e
biquínis aos sábados, sensacionalismo e ibope em troco da miséria de milhões,
os mesmos que madrugam numa fila para olharem para o corpo do ídolo “esquecido” nos EUA por trinta segundos.
Black Friday e todo mundo liso, a
depender do cartão de crédito, esperando o milagre da multiplicação do 13º e a Black Friday do ano que vem, como numa
roda gigante nada romântica. Vivemos mesmo com a corda no pescoço esperando
baixar o calor e o fim dessa novela que alguém nos legou. Black Friday de novas vidas. Tudo muito caro. Seres humanos em
promoção. Mas tudo um dia vai melhorar.
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