Muito Cuidado ao Ligar Sua TV...



   Fazem alguns meses que eu não tenho ou acompanho esse universo chamado televisão.  O motivo? Preguiça,  talvez. Ao me mudar, descubro que teria que pagar para ter acesso a alguma tecnologia para pegar a TV em meu apartamentozinho de nome (batizado agora) "universo paralelo". Preguiça ou raiva, indisposição,  crise financeira,  um pouco de tudo? Sei lá.  Chegar quase todo dia por volta das onze e meia da noite e ter que ligar na Globo, ver o William Waak com aquela cara dele de agente da CIA, não valia os, sei lá,  40 ou 60 conto que o cara queria para botar um fio do meu AP ao modesto segundo andar do meu bloco. Nem a TV nova, presente grandioso de minha grandiosa sogra, conseguiu acender ou avivar a chama de voltar a assistir aos jogos do Sport nas noites de quarta feira. Lá em casa quem sempre dominou o ambiente foi, e sempre será,  dirá meu coração,  o rádio.
  O rádio, ligado sempre pela manhã,  na hora do almoço ou em todo lugar é sempre algo corriqueiro e/ou quase já programado. Rádio em todo lugar. O rádio já foi até  (por muitas ou várias vezes) motivo de briga lá em "Universo Paralelo". "Radio ligado uma hora dessa?", "bandeira dois logo de manhã?". Rádio ligado ou um CD a todo volume. É sempre bom ter um MP3 com a discografia do Tim Maia, Caetano Veloso, Bjork, Radiohead ou Djavan. Só não pode o silêncio nem o barulho da TV Globo seja em qualquer hora. 
   Pois bem. Doente, mais pra lá do que pra cá e, exageradamente, abandonado à própria sorte, fui, Obrigado, a ir esperar o fim, do jogo do Sport e Petrolina (eita jogo difícil. . . De assistir) no sofá Velho de guerra de minha mãe.  Sabe aquela música do Jeff Buckley, "So Real", onde ele fala sobre o sofá?  É bem isso mesmo. Fui obrigado a voltar a assistir ao maravilhoso e infecundo universo da telecomunicação Nacional naquele dileto e inconsequente sofá.  Meia hora com a TV ligada e obtive a certeza do real motivo pra minha grande baixa estima por esse inergumeno instrumento de alimentação de alienação maior de nosso dia a dia.
  A TV brasileira é um nicho infecundo de má notícias, agouros,  baboseiras e outras péssimas crendices.  E,  sim, essas palavras são homenagens singelas ao baixo alto nível desse universo,  constantemente em decomposição. Dito de outro modo, ou, no popular: Pense numa mazela.
  De Janeiro pra cá não tem toma-lá-dá-cá nessa nação.  É ligar a TV e receber uma descarga de má notícias e mazelas: brumadinho que não se resolve, o crime com os garotos do Flamengo, a artista vestida de muro do Donald Trump e um mar de lama, um mar de anúncio,  uma maré ruim de péssimas propagandas e agonias. Amanhã a passagem vai aumentar.  Não resolveram ainda o assassinato da Marielle. Esconderam os crimes da família bolsonaro  (esse nem merece o nome escrito em letra de forma ou maiúscula). 
   Ligo a TV e tem incêndio no Ninho do Urubu. Crime. Vou pra Internet e vejo o ciro batendo boca com estudantes.  Lixo. Vou para o rádio e ouço,  de novo, meu radialista favorito defendendo sergio moro com unhas e dentes. Nojo. Desligo tudo e vou ler um quadrinho, um livro, um jornal. E leio. A dor não deixa muito mas é o jeito. Diante de tanta má notícia e mal jeito o jeito é se ocupar. "Quanto tempo será que dura um like?" Pergunta meu coração.  Mas meus cabelos brancos,  agora muitos, não me dizem nada. Não emitem qualquer resposta. Vencido pelo cansaço e pela dor nos olhos, volto ao tempo da telinha. Ligo a televisão. 
   Lá está a mais nova má notícia: Boechat,  um dos maiores nomes da nossa imprensa televisiva,  morre de um modo repentino e surpreso. Quanta desgraça em tão pouco tempo, me diz a dor de cabeça,  agora chamada carinhosamente de dengue.  Coincidentemente ou não,  falar sobre a efemeridade das más notícias e a nossa nova e moderna capacidade em descartar/adotar novas polêmicas,  novos desastres e depois, num passe de mágica (ou num Clic?) Esquecer foram suas últimas reflexões, conjecturas, palavras. Não necessariamente nessa ordem. 
   Do velho sofá da sala assisto atônito ao Jornal da Band sem o seu âncora.  O jornal da Band noticiando a morte de seu maior nome. O esforço coletivo da equipe em fazer seu trabalho sem ele. O esforço posterior para escrever, com as juntas, a dor de cabeça e as costas doendo mais do que a peste, algumas palavras sobre esse susto que é ligar essa caixa de pandora, essa incubadora de má notícia, propulsora de tanto clima ruim. O esforço de tentar não notar a Virgem dos olhos de vidro, como cantou Taiguara. Até consigo. Mas é a caixa de pandora mesmo. Adianta tentar se enganar? Não faz sentido algum tentar pintar de Rosa um céu cinza, tampar o sol com a peneira,  dizer que, não é novidade alguma, que sempre foi assim.  Mas daqui a pouco começa a novela.


 "Lá fora o mundo evita as ilusões 
   Lá fora uma procura por prazer
   Lá fora o namorado, que era dela, encontra aquela,
Que, ao ser sua, vai ser mais sua. . .
   Milhares de pessoas pra manter no ar".* . . 








*Trecho de Virgem dos Olhos de vidro, do Taiguara.

Comentários

  1. O poeta está mais cri-ativo do que nunca, sua ausência por convalescença, sentida por muitos, nos presenteou com essa bela reflexão. Esse é o Clovis que admiramos. Bom dia.

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  2. Vou lendo e imaginando tu sentado no escritório (porta da cozinha da uespe), tomando um café e dissertando. Escrita singular nos novos tempos é coisa rara.

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  3. Cada dia escrevendo melhor.
    Um forte abraço, querido Clóvis!
    ...Luana

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  4. Parabéns meu amigo, ótima reflexão, contudo, anseio pelo dia em que escreveremos para elogiar, louvar os bons acontecimentos, chegará em algum momento esse dia?...

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    1. Não tenho dúvida que esse momento chegará. Essa "nuvem" que tamo vendo é passageira. Como disse o poeta, "provisoriamente não contaremos o amor". Mas é só provisoriamente.

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