O Vendedor de Chocolate e a Vida da Gente...





O meio dia, o trem lotado, o vendedor de chocolate, algumas moedas trocadas no bolso direito da calça e um silêncio danado, apesar do barulho. Era mais ou menos uma da tarde. Sorte. Pensou. Um lugar vago no trem quente, a expectativa daquela mais uma entrevista de emprego, a namorada ligando no novo telefone, o irmão que arrumou o primeiro emprego e o resultado de mais um vestibular daqui três dias enchem seus dias e seu coração. Ele parecia feliz. Como era cheia de expectativa essa vida da gente. “Admite a chance de, talvez, adquirir um carro, comprar um apartamentozinho, modesto, perto da estação do metrô; -” Agora tem integração aqui até umas horas! “Não entendo por que tanta gente ainda reclama da vida que tem”. Pensava.

 Na rádio era a copa do mundo, nas ruas o protesto contra o aumento das passagens, e, todo dia, todo santo dia, aqueles mesmos meninos pediam no sinal, outros lavavam os carros, estendiam a mão, cheiravam cola, crack, maconha, roubavam e matavam por um simples pedaço de pão. Mas ele estava feliz. Irremediavelmente bobo. Talvez nada pudesse lhe fazer perder seu dia, nem mesmo aquela triste pintura a sua frente, a sua volta, em seu bairro, ao lado de sua casa e em seu quintal. Queria esquecer que aquilo era consigo. Que lhe importava a crise mundial, o aumento do Dólar, os milhões de desempregados na Espanha, Itália, Portugal, e a Europa inteira em chamas, em luta, em lama. 

Guerra e paz em Madri. Mas no Brasil era a Copa do mundo e o metrô lotado, o calor que incomodava, o vendedor de chocolate, um menino, um negrinho magro e sujo, um guri. Oferece bala pra comprar pão ou pedra, alimentar a mãe ou o vício, já que não deve brincar de dormir nesse mundo globalizado. Ele nem deve saber o que é Facebook, provavelmente não sabe ler nem deve estudar. Aquele menino maltrapilho passou a incomodar a paz pintada do jovem que se enganava, bebia sonhos, engolia falsas esperanças e vomitava hipocrisias temperadas com o defeito de se achar só e senhor de si. 

O menino com a camisa velha, desbotada e uma caixa rota de chocolate, três por um real e uma fome de tudo que ninguém, mesmo que ignore, não sabe. A vida da gente não devia ter dessas estranhas coincidência que desafiam nossas entranhas, congelam nossos sonhos, chateiam nossos olhos. O menino se aproxima, oferece o doce, o chocolate, a pedra, a bala, o troco que pode lhe tratar como um futuro ou sol num mundo sem cores, com dores e sem promessas ou sons de futuro ou livros de poesia. A caixa de chocolate, o menino ali perto e duas ou três moedas, troco de uma passagem não tão tranqüila agora. 

A vida da gente é tão cheia de coisa e conflito. Deu as moedas pro menino, colocou o chocolate no bolso, desceu antes de ouvir um “obrigado”. Aquele menino lhe estragara o dia que parecia ser lindo. Queria esquecer de tudo. A vida na telinha não parecia ser assim tão triste, não acreditava naquilo.

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