A Procissão, o Silêncio e a Cidade






A procissão segue: o caixão na frente, o lamento de quem perde ali, ao lado, não há sorrisos (é claro) nos rostos, enquanto os sinos da igreja badalam. A cidade acolhe para sua memória, guarda em sua história mais um nome, mais um rosto, mais um filho seu que se vai. E seu silêncio nos responde... mesmo sem ter sido pronunciada pergunta alguma. Coisas do mistério da vida. Enquanto o caixão passa as portas das casas se abrem, os moradores saem, saúda em um gesto silencioso aquele que se foi. Não importa se é ou não conhecido, é um filho da cidade, e a cidade torna todos em irmãos, todos filhos, todos em um coletivo de alegrias, tristezas e reflexões: “Quem foi que se foi?”, “foi fulano de tal”, “Maria de João” “José de Antônia”... e a cidade entende e acolhe. Entende o lamento de quem construiu e se construiu em suas ruas e seus muros, levantando casas, comparando pães, discutindo a vida, saboreando o gosto de muitos amanhãs.
A procissão passa e o comércio fecha suas portas, saem os funcionários em contemplação respeitosa, e não são nem dez horas da manhã. Me surpreendo com a tradição, o respeito o sentimento que une uma classe em torno de um momento de dor, de fim, da vida de quem se foi e ensinou um, dois, dez, centenas de outras vidas que continuaram sua vida, mesmo que alguém se esqueça, se conforme, se deixe levar pela correria do dia e da vida que vai e que passa, que vai e que para pra ver outra vida que se vai, deixando um legado, um espaço, que a cidade com seus mitos, seus ritos, sua paisagem vai conservar.
A procissão passa e os pássaros calam-se, o vento murmura, o poeta contempla, observa, se inspira, sente como se fosse parte equivalente desse lugar que, ao mesmo tempo, é dele, dos outros e do mundo inteiro. Em um segundo se está no sertão de Pernambuco, em qualquer lugar do Brasil ou do mundo. De repente sente-se tão humano que já não importa ser ou não ser da cidade ou não. Você já se emociona com o fato de ser humano e de estar naquele lugar, que nos abraça e nos vigia, como uma mãe nina seu filho de colo, ao embalar seu sono.
A procissão passa e uma senhora me olha, está ao lado do caixão, enxuga os olhos de lágrimas tristes e me olha, me encara, sorri. O mesmo sentimento que ela sente a cidade, o povo a multidão e o momento me fez sentir que somos uma coisa só.

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