Jesus: Preso no Brasil por usar seu livre-arbítrio

Madrugada, televisão ligada, acordar de um sono embaraçado... Desorientação é pouco. Agora passo calculadamente a me abismar. E não há motivo pra isso: era só um comercial, com mais um cantor desses, que aparecem e somem sem deixar bons frutos. “Como é possível isso? Esse menino apareceu um dia desses e já tem um DVD gravado, com mais de 100 mil pessoas, cantando, gritando, esperneando o nome dele”. Outra noite, um outro barulho estranho. Não entendi novamente o que era aquele outro absurdo. Talvez a fadiga, a semana de provas, o fim de mais um semestre letivo corrido ou o calor quase insuportável de Serra Talhada me fazendo vacilar. Era um cantor religioso, digo, um grupo deles: oito à dez pessoas vestidas iguaizinhas, com as mãos para o auto em um “delírio ensaiado” digno de um Popstar. Agora a música religiosa havia ganhado, de vez, o mercado fonográfico.





Nos anos 90 perseguiram uma cantora Gospel, taxaram a coitada de idólatra e outros nomes, proibiram os fiéis até de cantarem seus hinos, só por ela ter ido no programa da Xuxa (“aquela satanista!”). Hoje todo mundo tá lá, e o esforço para aparecer é imenso; grande como as novas gravadoras de luxo. Deus agora possui uma, várias, multinacionais à favor de seu reino. Parece que a bola da vez é misturar fanatismo, dogmatismo, uma pitada de apelação ao bom senso e sensacionalismo. Isso com boas doses de marketing milionário. “você adora, agente toca!”.

Parece que o nome de Jesus se faz bem mais coisas do que abrir igrejas, vender livros ou manipular vidas inteiras. Está banida das leis sagradas a palavra hipocrisia: “Venha como você está, mas não venha sem dinheiro!”.

Num outro canal era a hora dos debates: Um padre falando mal de um pastor que fala mal do Padre. Mas na eleição vão estar todos juntos: “Temos que combater o aborto, a camisinha, o sexo fora do casamento, o homossexualismo e a apostasia! Essas coisas afastam o homem do divino!”. Mais uma vez tão lá, tudo junto, negociando seus cargos, vendendo vastos terrenos no céu, em troca de devoção e algumas milhares de notas e moedas. Se Jesus voltasse agora seria leiloado na Internet ou colocado em alguma bolsa de valores, com valores muito altos. Perguntado o cantor disse: “Eu gravo minhas músicas e o povo compra”. Parece que, mais uma vez, o conteúdo não é questionado. “Vai questionar a palavra de Deus?”

Uma música de uns vinte minutos. Pequenas frases repetidas fervorosamente com pessoas em pé, uma, duas, três horas naquele auditório lotado. Sempre achei: para se adorar a um deus fosse preciso algum tipo de esforço, um conteúdo mínimo. E parece que aquele refrão minúsculo rende muito.O cantor já comprou (graças a Deus) dois carros, uma fazenda e trocou de família. Quando a banda Catedral, ainda no início da década de noventa, se auto-denominava “uma banda Gospel” e falavam que, essa mesma música, iria crescer muito foram duramente perseguidos. Hoje tá todo mundo esqueceu disso?




“Importante é que o evangelho de Jesus seja pregado!” me disse um jovem outro dia desses. Mas o dinheiro vai pra mão de quem? Me digam onde foi que Jesus escreveu isso, qual manual, guia, testamento ou testemunho ele escreveu mandando fazerem isso? Tem tanta igreja vazia e gente morando nas ruas, vamos ocupá-las, lotá-las, que será que Jesus faria? Sairia candidato a prefeito ou vereador? “Vote em mim, eu sou o filho do homem!”. Talvez o povo ainda peque pela velha falta de conhecimento, voltado as elites coronelistas de nosso país. Igrejas, cultos, seitas...empresas passadas de pai pra filho que só dão lucro.

Talvez se Jesus voltasse e olhasse o que andam fazendo em seu nome, se indignaria; quebraria tudo de novo, seria preso novamente (sem direito a advogado,“abeas corpus” nem visita íntima). Talvez ele arrumasse um advogado, desses ai, colocasse um processo em todo mundo por direitos autorais e ficasse mesmo rico. Ou então, ele só dissesse: “Perdão. Eles não sabem o que fazem”.

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