Éramos nós os Alquimistas...




Resiguinação: calar-se. Estar alheio às contradições e complexidades da vida. Fechar os olhos ao mundo, multiplicar mazelas...



Um pai de família, honesto e temente a Deus, detalhadamente desempregado, vai preso, enquanto roubava um pote de margarina para dar de comer a seus analfabetos e desnutridos filhos. Filhos seus não; filhos do “Bolsa merenda, bolsa esmola, bolsa assalto, bolsa família...”.
O pai ora. Agradece o salário miséria sem nem sequer ter a vergonha de “chutar” quanto o Neymar ganha para correr atrás de uma bola, ou quanto o playboy paga para vê-lo jogar, lá de cima, em seu camarote caro (whisky com gelo ou sem gelo, senhor?), com seu carro blindado, sua puta burra (peito e bunda, exploração louca, “mocinhas, meras meninas...”) e a propina para mais tarde, para a hora que voltar bêbado e atropelar algum ciclista equivocado (ta pensando o quê rapaz? Onde já se viu, andar de bicicleta na ciclovia? Ele também é filho do Eike Batista).
Talvez, muito provavelmente, um dos filhos daquele pobre quase indigente torne-se, mais tarde, um futuro traficante, dono de morro ou de boca, assassino dos meus e dos seus filhos, dos filhos daquele guarda corrupto, culpado, explorado, iludido. Talvez ele ganhe na mega-sena, vire um cantor de pagode ou entre pro Big Brother Brasil 20. Talvez, pesa sua mãe simplesmente, ele termine a quinta série, arrume um emprego e volte pra casa daqui a pouco sem levar nenhum tiro. “O mundo anda tão complicado”, disse o homem cantando uma música na rádio; outro dia desses eu tava ouvindo.
Enquanto isso perguntasse a filha do dono do supermercado afligido: “qual será o próximo marido traído no próximo capítulo daquela próxima novela?”. Enquanto a apresentadora do telejornalismo sério fala mal (mais uma vez) de Cuba ou da Venezuela vejo o Crack passar em nossa porta e levar mais um de nossos filhos. Esse foi o terceiro só essa semana. A pedofilia e a prostituição mancham nossas filhas, namoram nossos meninos, e eu escrevo enquanto choro, vendo voltar todo dia essa nossa grande e tosca nação. Éramos o país do futuro até outro dia.
O Cachoeira calou todo mundo! Ele é um santo! Tem quase todo mundo preso em suas mãos. Ele é melhor que muito policial que espanca pivetes: não usa algema, corrente, cassetete. Não entendo meu pastor: vou a igreja todo dia, mas só é ele quem enriquece. Trocou o carro, que já era novo, de novo. O padre eu não sei. Dizem que é homofóbico, fala mal de tudo e de todos, pedi voto para candidato da extrema direita e pode dizer, nessa terra, que é ou não é santo.
Resignação. Individualismo. Nossos jovens amigos se matando, caindo em depressão, mergulhando no álcool enquanto em reclamo da greve do ônibus, do pedreiro, do aluno e do professor. “Homem-primata”. Ele mata. Quem foi que lhe inventou: Deus ou o Diabo? E quem inventou eles dois? Resignação. O sol é do tamanho do meu sonho, e ele parece com o meu umbigo, faço tudo que quero e tudo que preciso for. A vida se acabando ao meu redor e eu curtindo minha solidão: “Tenham pena de mim! Eu to tão sozinho! Hoje eu não assisti o Faustão!”.




“Onde estão nossos grandes homens? Onde estão suas grandes idéias? Pra onde foi toda nossa razão? Qual o resultado das nossas guerras?”.O mundo mudou? Será que já não passou da hora de trocarmos esse falso sentimento pelo seu oposto, seu inverso, seu primo distante, mal-falado por todos da família, a indignação?
Indignar-se: esse deveria ser o atual hino de toda uma nação. “Provisoriamente não cantaremos o amor...”
“Quem cuida do índio e o homem do campo? Quem mata o índio e o homem do campo?”.
“Mataram um menino, tinha arma de verdade mesmo!” De onde será que vem toda a riqueza do patrão? Qual foi mesmo o nosso pecado? Apenas nascer? Ser negro, índio, latino-americano?
Indignação: um homem sozinho, quebrando tudo diante de um templo, sujo por dentro e por fora, cercado por um outro bando de corruptos e ladrões. Será que ele foi crucificado por isso? E se a TV, que não é mais preto-e-branco agora mente? Indignação: malucos, subversivos, comunistas. Bando de baderneiros! Fosse eu chamaria logo a polícia! E quem é esse menino ai chamado Jesus? É mais um vendedor de livros? Se ele for famoso coloquem uma foto sua na capa da revista, se não, enterrem num saco de lixo ou numa caixa de papelão.
Vejam as crianças jogando um joguinho inocente de matar todo mundo. A mãe adora. Ela fica quieta. Se deixar, fica ali o dia inteiro. Indignação: “Vós sois o sal da terra!”.
“Quanto é que ta mesmo o preço atual do feijão?” Indignação: “A luz do mundo!”.
“Se eles se calarem até as pedras clamarão...”

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