O Presente de Aniversário






Devia ter uns seis ou sete anos de idade. Faltava luz quase todo dia, e eu e minha família ficávamos horas e mais horas no quintal. Era bom ficar olhando os carros passarem. Quando se tem certa idade é possível se gostar de tudo, voar tão alto. Não há saudade. Lembro que, por esse tempo, meu pai havia ficado desempregado. Virava-se como podia para nos manter bem. Era um serviço aqui, outro bico ali. Ele fazia quase de tudo: levantar e derrubar paredes, erguer muros, carregar compras, vender picolé... Era possível viver assim?

Eu, minha mãe, uma irmã mais velha, dois irmãos e um cachorro. Às vezes,me recordo, dava angustiava vê-lo dormir: Mal cuidado, magro, cansado... Pensava que seria difícil não ter algum problema por todo esforço feito em torno de si. Certa vez vi seus olhos encherem de lágrimas: meu irmão mais novo chegou e perguntou se haveria almoço naquela tarde. Ele respirou fundo, pegou a bicicleta e saiu. Lá se foi sua coleção de discos raríssimos de vinil. Não era de espantar ver perder quase toda a tinta de seu cabelo.

Foi nesse tempo que descobri o verdadeiro valor e significado da palavra herói. Meu aniversário estava próximo, mesmo que não lembrasse ou fizesse questão alguma. Não costumávamos comemorar aniversários: condição financeira, visão religiosa, opção da família? Esperávamos nosso pai voltar a cada dia de correria. Nada era tão certo; às vezes, íamos dormir com a barriga vazia, esperando pelo outro dia. Não sei se meus pais conseguiam dormir...

Daquela vez foi diferente: deviam ser quase oito e meia da noite. Nada dele chegar. Todos já haviam desistido de esperar. Todos entraram: mãe, irmãos, cachorro. Pedi pra ficar, não sei por quê. Acho que ele havia me mandado esperar. 

Depois de um tempo, ele aparece, porém, sem guardar a bicicleta. Baixou o descanso, pediu pra e ficar olhando ela, e foi levar as poucas sacolas pra dentro da casa velha de madeira e chão batido. 
–“Vem comer, menino!”, minha mãe gritou lá de dentro.
–“Não. Ele tá ali, olhando a bicicleta”.
Acho que pensei que ele iria sair novamente, tomar algum caminho, correr um pouco pra garantir o dia de amanhã. Mas não. Ele me chama no canto da rua, ainda fora da casa, mete a mão no bolso velho da camisa usada, tira uma barrinha de chocolate branco e, sem me dizer nada, me entrega e sorri. 

-“Não conte nada para seus irmãos. Esse é o seu presente de aniversário”. 
O presente que eu nunca recebi, no aniversário que eu já nem lembrava mais. Meu melhor presente de aniversário.
Comi o chocolate, dobrei o papel cuidadosamente (era o meu presente de aniversário), depois entrei. Ele havia vencido mais um dia de adversidade, iria dormir tranquilo. Amanhã teria que enfrentar todo aquele mundo de novo e outra vez. Tudo isso pra nos fazer sorrir.

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