As aulas de qualquer coisa e a professora de História

Na escola todo mundo tem uma matéria que não gosta muito, seja pelo professor ou pelo conteúdo. O professor, coitado, nem sempre é culpado pelas suas aulas serem tão... Evasivas, causadoras de sonhos e de sono. No meu tempo de ensino médio todo mundo adorava as aulas de história, enquanto torcia pela professora de matemática adoecer, pegar uma gripe de seis meses, ir embora. Mas, quanto à história, essa não. Essa não podia faltar. E que história. Essa dá gosto de contar.
Acontece que a nossa professora de matemática era danada pra jogar giz, contar piada que não entendíamos pedir para as alunas mais “chegadas” a ela fazer cafuné, catar piolho, arrancar os fios de cabelo branco, escondidos no meio da tinta preta, renovada a cada fim de mês, religiosamente. Não dava pra se ter tanta simpatia assim. Depois vinham os números e ai embaralhava tudo de vez. Era terrível. Fazia questão de mandar pra o quadro negro pra me chamar atenção.
Outra vez foi à vez de me erguer, sozinho, contra a tirania daquela perversa dos números e seu cabelo pintado de rio. Caderno na mão me levanta altivo, e olho para traz de mim... Vazio. Silêncio. Estava sozinho. Na duvida use seu senso de humor vadio.



-“Professora, até segunda feira!” e sai de queixo erguido. Meus amigos medrosos, temendo levar uma mera falta na caderneta, deixando a professora metade da aula conversando fora, outra metade atirando giz. Sai com orgulho. Até hoje sou assim... Acho que é tudo culpa da minha mãe, dona Sueli. Não importava. Estava mais do que decidido: todo o ano letivo seria assim. O ano todo, menos nas terças e quartas, já que nesses dias eram dias de paz, amor e harmonia. Era dia da aula de história.
A professora era uma morena, no auge dos seus 26 anos, portadora de um par de pernas milimetricamente trabalhadas na academia da vaidade, lábios carnudos de fazer inveja na Angelina Jolie, e, geralmente, gostava de usar umas micro-saias capaz de deixar qualquer um babando afim de uma boa aula de história. Ouvir um boa tarde daquela mulher de outro mundo equivaleria ganhar cem vezes na loteria. Valia a semana inteira, o mês inteiro, valia por toda a vida. Ela era perfeita. Tudo que a vida poderia ter feito de maior beleza.
As meninas não gostavam muito daquela presença na sala de aula. Na verdade, se me recordo bem, elas meio que não existiam, ao passar naquela porta aquele ser divino. Falava sobre a primeira e a segunda guerra com uma propriedade distinta, mas quem disse que nós ouvíamos. Ficávamos imaginando coisas, e só fazíamos o dever de casa na esperança de vê-la comentar nossas atividades infantis. –“Quem descobriu o Brasil foi Pedro”. E seguíamos voando sem tirar os pés do chão.
Nossa professora de história seria menos bonita, se não se usa aqueles óculos de armação grossa, não torcesse pelo Sport clube do Recife, e viesse arretada com o mundo quando ele perdia, ou então pelo simples fato de nos deixar levá-la até a parada de ônibus ao fim das aulas em certos dias. Quando brigou com o namorado e chorou na sala, dizendo que homem nenhum valia a pena, foi uma coisa tão linda. E ela seria ainda mais bela, se não se chamasse Marília. Como sofríamos. Era tudo tão lindo naquelas terras. Tudo quase tão divino.
Três semanas depois de aulas e mágica, “ela partiu”, e nem sei se gostava do Tim Maia. Mas foi assim: numa ultima sexta feira, ultima ida até a parada de ônibus e aquela saudade. Entro quase correndo na sala, silenciosa, de pé em frente ao quadro um cara de quase três metros de altura e uma cara que, sem dúvida, não me agradava. As meninas suspiravam, sorriam. Os meninos faziam silêncio, olhavam pro chão varrido, o tempo nublado e o coração pulsando, devagar, como se convivem os passarinhos. Três semanas e ela se foi. A vida agora é vazia, tinha um cavanhaque e três metros e meio de altura. Já começava a me acostumar com a idéia de ter que aprender matemática. A história não era mais tão importante assim.

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