Já não fazem mais desenhos como antes...



Diversão é assunto complicado. Há quem consiga se divertir lendo um livro caroou esmurrando o irmãozinho. Correr na chuva, pegar uma ventania no altode uma árvore, tudo vira motivo para se soltar do chão. Certa vez eu e meu irmão mais novo derrubamosuma palha de coqueiro só pra ficar se balançando durante o dia inteiro e ouvindo um som.


Eu e meus amigos roubávamos frutas ao voltar da escola. Lá em casa, dançávamos sem parar ao som dos discos na radiola velha, na sala velha, na casa velha que morávamos e ficou na lembrança. “Anos Incríveis”. Assistíamos sempre sem nem se quer notar, que apesar de distante, tinha muita verdade. A TV Colosso, Os Cavaleiros do Zodíaco, YuYu Hakushô, US Mangá, várias formas de se ocultar, fugir do medo da fome e do mundo, de um futuro incerto que levava alguns de nossos conhecidos sem nem nos deixar perguntar ou dormir. Naquele bairro as coisas aconteciam tudo tão rápido, parecia ser um outro mundo, um outro lugar, e eu, fugindo do título e do tema, só pra não esconder o medo em meus sentidos, que hoje pareço compreender ou notar. Meros meninos. Aonde foram parar? Quem vendeu nossos sonhos? Entortou meus versos, ocultou minhas melodias?


O tempo passou, o teto sobre as nossas cabeças parece não ter mais tanta graça, as crianças não brincam mais nas ruas, não podem, não querem, ficam em suas casas, presas em seus filmes, seus brinquedos elétricos, suas babás eletrônicas, hoje liberadas, produzidas em série e banalizadas. Elemento útil. Acriança dentro de mim hoje vive agitada, nervosa e quieta. Se distrai escrevendo parágrafos incertos pra não esquecer quem somos e só. A criança dentro de mim critica o mundo, como se o único defeito dele estivesse nos desenhos de hoje, sem graça e sem juros. “Não se fazem mais desenhos como antigamente?” pergunte isso à chuva que hoje brinca lá fora, sozinha, sem dono e sem dó. Pergunte isso à criança que mora lá fora com a chuva. Pergunte a ela se é bonito ver todo dia o mesmo pôr do sol. Pergunte ao tempo se ele não se sente tão velho quanto o mundo, esse que convive com essa enorme saudade, tudo num mesmo momento e num dia. Pergunte se ele gosta de falar... Me avisa.

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