Textos Para Mais Tarde...








O nome “textos para mais tarde” traz algumas reflexões interessantes. Em nosso dia a dia a velocidade é algo, ao mesmo tempo, duro, imperceptível e intransigente. Mal notamos que vivemos como se fôssemos verdadeiras máquinas do tempo. Aquilo que é novo pela manhã envelhece e morre à tarde, passa sem se notar, é esquecido muito facilmente. Aquele artista famoso, aquele quadro raro, aquela música tocando alto na sala de estar, já não estão mais aqui, já não fazem mais sentido algum: estão atrasados. Nessa sociedade o novo sempre vem e vem, contudo, sem nem mesmo perguntar. A vida nos obriga a deixar as coisas mais importantes para mais tarde, e buscar o agora, o “na hora”, aquilo que está ao alcance de nossos olhos sem nos importar.
No mundo da internet, banda larga, mp12, globalização quase dispensável o homem se vê na obrigação de também ser fera, de se arriscar, de viver de momentos, alguns deles, que serão esquecidos tão logo o dia acabe e venha à noite. Ler um livro, pensar no futuro, ouvir uma boa música, são coisas que esse novo tempo não nos permite. É estranho por que a tecnologia, que deveria, aparentemente, nos aproximar, nos torna estranhos. Agora tudo é informatizado: é o perfil na rede, a foto em um lugar caro, o comentário mais duvidoso e genial possível, que ninguém sabe quem concebeu. Na rede todo mundo é inteligente, dotado de carisma e poesia, quase tão perfeitos como um semideus. As pessoas só não se falam mais nas ruas, nas esquinas dos bairros que outrora pertenciam a todos, um patrimônio que poderia ser chamado de meu e seu. A informação separou tudo; deixou todos e mais um bocado de um lado pra outro, mais separados.
Pra se escrever não é preciso pressa; o sonho se manifesta sem ser necessário comentar. Literatura? O que é isso se não uma pergunta profunda, sem resposta aparente, sem movimentação de tronos, sem bajulação nem blá blá blá? Queria escrever de modo vasto, quase insensível, achava que o “fazer poético” era para iluminados, pessoas distantes, mentes que estavam a um passo do mundo das palavras, sem nem mesmo precisar aterrissar. Como me enganei nesse mundo vazio. As palavras enganam e se escondem; às vezes nada dizem. E eu as busquei. Ao amadurecer vi que o saber vem do dia dia, da vida de quem sabe viver. Estar no povo e com o povo, pois no povo se encontra a razão. Nesse corre-corre da semana que parece um dia, decidi guardar pra mais tarde aquilo que antes chamava de rabisco de poesia ou qualquer coisa mais de certo. Agora, maduro, sabia distinguir. A idéia vinha e a guardava na memória (minha ou do telefone). Semana, dias, meses o texto ficava pronto, e me orgulhava costurar as palavras de maneira ambiciosa. Agora podia arriscar. Estava maduro e frio.
Escrever um “texto para mais tarde” é convidar quem lê a lê-lo de modo refletivo e prazeroso; não é uma bula de remédio ou uma foto postada para se comentar. Um “texto para mais tarde” é um convite, uma canção para ir dormir descansado, uma pausa para recuperar um tempo que foi roubado sem se notar. Um “texto para mais tarde” é um convite ao sonho, ao cair em si, a jogar-se em um lugar encantado (palavra, medo, fim). Um “texto para mais tarde” é um abrir o olho, um voltar no tempo, um parar, andar e sentir.

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