Uma fatia de Pizza, um copo de suco de Graviola e uma lição pra toda vida




Algumas vezes me chamaram de memória de elefante nos dias de minha casa. Não sei se mereço tal alcunha, ainda assim, costumo recordar datas, lembrar dias, revisitar memórias de muito antes. Uma de minhas lembranças mais doces são as que trazem a figura de minha mãe: Mulher de fibra verdadeira; educou na mais pura raça seus quatro filhos pequenos, na velha maneira “escadinha” de ser. Eu, meus dois irmãos e minha irmã mais velha já chegamos à escola sabendo ler e escrever. Dividíamos todo o pouco que tínhamos e não sobrava tempo para lamentos póstumos, já que não se chora sobre nada quando não há muito que se derramar. Entre as tantas lições que ela me deu, junto com a vida, me vem à mente um, de certa maneira até bem simples, porém gostoso de se recordar.


Tínhamos ido ao Recife, época de fim de ano, eu, minha mãe e meu irmão mais novo, comprar roupas, presentes simples (se o dinheiro der, avisou ela) e mantimentos. Quem já passou por uma dessas com o tal do 13° sabe bem o que estou dizendo. Depois de andar um pouco meus olhos de criança avistou numa vitrine algo que pensei poder levar. Eu devia ter uns seis ou sete anos de idade, não sabia nada da vida ainda e, como toda criança, enchia meus olhos com todas aquelas vitrines coloridas a brilhar.


Era um carrinho de brinquedo. Um carinho de polícia com dois policiais brancos com armas na mão, apontando pra alguém, com a metade do corpo pro lado de fora. Acendia as luzes e fazia um barulho, andava sozinho e valia a metade da feira do mês lá de casa. Eu não imaginava isso. E menino liga pra quanto vale o valor do suor de quem trabalha? Menino é igual patrão, só muda que é, de fato, inocente. 

 E eu sabia o valor verdadeiro de uma brincadeira entre irmãos e amigos da rua, o ver meus irmãos soltar pipa no quintal, jogar futebol com bola de trapo com resto de jornal, futebol de botão com meu pai (perdíamos sempre pra ele. “prepara. Ajeita. Gol!”), ou subir no pé de manga quando ventava forte num fim de tarde. Ainda tenho orgulho da minha geração dos anos noventa: sessão da tarde, cinema em casa, TV cultura e aproveitar. Tudo que sei de mitologia grega eu aprendi com “Os Cavaleiros do Zodíaco” na TV Manchete. 

Tudo que vi sobre arquitetura e arte foi com meu irmão mais velho e suas pipas, seus desenhos, seus jogos de tabuleiro, inventados para os dias sem energia da minha rua até bem tarde.
Fotografei aquele carrinho inútil por quase trinta e cinco segundos. Minha nossa! Isso era 1994! Seguimos. É claro que eu devia estar contrariado. Tinha sete anos. Ela me olhou com aqueles olhos bem firmes e disse: "não tenho dinheiro". Pronto. Ia dizer o que? Andamos e andamos. Na hora do almoço comemos uma Pizza de Mussarela com um inesquecível suco de Graviola com leite, e ela, muito calmamente, me deu uma aula de economia, me falou do que podia e não podia ser feito, me prometeu que um dia tudo melhoraria com o tempo.(Dessas coias ela não deve nem recordar.Tá vendo mãe, eu sou mesmo um “memória de elefante”).


Hoje eu vejo que ela me apresentou pela primeira vez ao Marxismo, que naquelas simples palavras de quem amargava não poder presentear seu filho pequeno tinham mais coisas para se aprender do que em qualquer curso superior ou escola privada. Ela estava me ensinando a viver. Minha mãe, naquele dia, estava mais próxima de imaginar o que, um dia, eu iria ser. Hoje eu vejo o quanto aquele caro brinquedo não iria acrescentar em nada. 

Hoje eu compreendo que aquele Suco de Graviola com Leite e uma fatia de Pizza (até hoje meu prato preferido) falaram mais alto do que eu podia ouvir e ver. Hoje eu percebo quanta sorte a vida me deu, por poder ser eu mesmo, ser assim, ter aprendido. E hoje sei que vou poder passar a meus “pequenos projetos do futuro” que a riqueza está mesmo em saber viver. E isso ela nos ensinou direitinho.

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